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Suplemento Araçá – Vol.02 – nº04 – Out./2022 – Contos: “FOI DITO COM ARTE?” – Oswaldo Eurico

ISSN: 2764.3751

FOI DITO COM ARTE?
Oswaldo Eurico[1]

Noutro dia, perguntaram para mim o que vem a ser arte. Evidentemente, essa simples pergunta acabou se transformando numa conversa sem fim. Literalmente interminável. Questionava-se sobre as obras expostas num grande centro cultural da capital carioca. Prefiro não dizer o nome da exposição e nem o nome do artista plástico. Também não digo o nome da instituição. Prefiro deixar a imaginação correr solta e dar margem à especulação de ideias, proliferação de comentários. Com certeza eles virão e já estavam acontecendo antes desse texto nascer e muito antes da exposição entrar em cartaz. Discussão é algo atemporal e inerente a nós, criaturas criadoras conscientes inconscientes quando produzimos, reproduzimos e consumimos inclusive a nós todos.

Qual o propósito de tal instalação? Foi perguntado a mim. Interessante é não termos nem mesmo conseguido interagir com a obra, pois não havíamos feito agendamento (em tempos de pandemia não se pode mais ter o prazer de andar pelas ruas e decidir entrar num museu ou numa galeria sem antes deixar seu nome, dizer em qual dos horários previamente disponibilizados você quer estar. É a espontaneidade agonizando. Estamos proibidos de andar à toa pelas cidades…). Mesmo só conseguindo vislumbrar em parte, já sabia de antemão o que iria ver. As redes sociais já se incumbiram de nos mostrar olhares sobre o que não conseguimos viver naquele espaço excelente do qual gostamos imenso. Conversamos e não chegamos a uma definição de o porquê algo é arte ou não é arte. A arte é representação? É expressão do belo? É a materialização dum olhar, dum ouvir, sentir, pensar? E a discussão avançava ora com ares acadêmicos (ou pseudoacadêmicos), ora com cheiro de combustível das estradas. É a filosofia acessível também nas antigas conversas de mesa de bar, agora substituídas pelas predições dos oráculos instantâneos na palma de nossas mãos. De vez em quando, as conversas acontecem ao vivo. Isso é um luxo! Tão caro e tão barato!

Para continuar pretensamente contemporâneo é preciso essas rupturas na narrativa. Acho que já nasci contemporâneo. Melhor: creio (palavra perigosa!) sermos todos fragmentados e fragmentários portanto contemporâneos desde sempre. Afinal de contas, o que é o tempo presente? Se houvesse cedido à tentação de comprar um pacote de madeleines em promoção numa famosa loja com filial na cidade de Itaboraí, talvez tivesse recuperado minhas memórias dum tempo de onde certezas eram mais comuns. Em realidade, não nascemos exatamente nessa época, porém ouviam-se os ecos dos valores sólidos mesmo em processo de corrosão. A segurança dos conceitos aprendidos nos deixava caminhar mais leves e felizes. Pena! As madeleines eram açucaradas em demasia.

Continuamos nossas compras. Coisas simples para se comer num sábado à noite. Massas e suco integral de uva numa garrafa bonita. Tentamos imprimir nosso tempero pessoal e até brindamos! E a massa? Tornaríamos parte dela? Retiraríamos uma parte? Mastigaríamos e depois diríamos do nosso jeito do que comemos. Estaria manifestada a nossa ideia naquele momento. Nossa sensação! Nossa experimentação! Não podíamos ir ao teatro. Não imprimimos nenhum folheto. Não penduramos cartaz. Nossas ideias não foram transformadas em manifesto. Não sei se algum dia irão estudar sobre nós. Surpresas podem acontecer. Amores não correspondidos, amores desfeitos. Críticas são capazes de ferir profundamente a alma de alguém. A despeito disso tudo, ela sempre estará presente. Nesta, nessa, naquela semana, naquele ano, nesse ano, neste ano. Estará sempre se reinventando e sempre questionando a tudo e a todos sem poupar nem mesmo a si própria. Ela possui cem anos no registro formal. A aparência vincada do simplesmente existir na poeira das épocas está presente num corpo forte incrivelmente jovem e tecnológico. Um dia, há cem anos, um grupo deu um grito a ecoar até sempre de tantas vozes, de tantas cores e de tantas letras e formas escondidas atrás de montanhas de prescrições acadêmicas. Esse grito renova e nos faz hoje ter o direito de vivenciar tão caro e comum desejo de enxergar o mundo de sob vários ângulos diferentes.

Como se lê, ainda não chegamos a saber o que é arte, mas sabemos dela. Não sabemos tanta coisa. Isso torna mais instigante viver.

Parabéns, operários; parabéns, donos das fábricas! Parabéns, camponês; parabéns, fazendeiros! Parabéns, crianças; parabéns adultos! Homens! Mulheres! Gente de todas as cores! Gente de todos os credos! Gente de todos os lugares! De todas as sintaxes, de todos os sotaques! Vejam se vocês estão aqui! Vejam se estão lá! Estão aí? Fiquem onde quiserem e vejam e sejam depois de cem ou seja lá quantos anos até quando não sei…

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[1] Graduado em Letras (Português e Literaturas) na Universidade Federal Fluminense. Atua como professor de Língua Portuguesa, Literatura e Produção de Texto na rede privada e na rede pública estadual nos municípios de Itaboraí e São Gonçalo em turmas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. É artista plástico com trabalho voltado para pintura, e manipulação de imagens digitais.

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Redação

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