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Suplemento Araçá – Vol.01 – nº01 – Dez./2021 – Artigos & Ensaios – “MACEDO SOARES E O NACIONALISMO NA CRÍTICA OITOCENTISTA BRASILEIRA” – Juliane de Sousa Elesbão

ISSN: 2764.3751

MACEDO SOARES E O NACIONALISMO NA CRÍTICA OITOCENTISTA BRASILEIRA
Juliane de Sousa Elesbão (UERJ)

Sabemos que um dos propósitos mais evidentes da geração romântica no Brasil foi orientar a nossa produção literária sob a perspectiva da originalidade e a definição da nossa nacionalidade. A partir de então, observamos um esforço para a formação de uma consciência crítica que deveria estar atenta às diretrizes necessárias para “guiar” os jovens poetas do século XIX, a fim de que estes compreendessem de forma mais ampla o que era o sentimento nacional na literatura. O intuito era escapar da noção estreita de “cor local” ou da pura e simples exaltação da nossa natureza, que apenas caracterizavam uma poesia pitoresca, com mera remissão ao exterior e sintoma de dificuldade na interpretação propriamente poética da natureza.

No seio do movimento romântico, portanto, um dos eixos principais das discussões relativas à autonomia da literatura brasileira era constituído pela questão da nacionalidade. Enquanto o Romantismo tomava forma e, simultaneamente, o Brasil passava pelo processo de criação de uma imagem de unidade e de afirmação de sua condição de nação soberana, o ideal nacionalista tornava-se cada vez mais um objetivo a ser alcançado. Nesse contexto, a literatura produzida no Brasil ia, aos poucos, tomando consciência de sua brasilidade. Para tanto, se fazia urgente delinear os aspectos identitários, resultantes de condições e transformações históricas, para asseverar o nosso status de nação independente e determinar o caráter nacional da literatura produzida à época.

Já se pensa na necessidade de nacionalizar-se a ideia em todas as ordens de conhecimentos, e na aplicação dos princípios herdados da ciência dos nossos maiores e das artes que nos vêm de fora.

Nas academias, ouve-se a voz dos mestres pugnar pela nacionalização do direito.

Nas associações literárias, discutem-se os elementos da nacionalização da literatura, as fontes de vida da arte.

É, enfim, a nacionalidade a palavra mágica que ocupa o pensamento calmo e severo do homem de Estado, que faz vibrar a voz do professor, que eletriza o coração dos mancebos.

Mas é sobretudo na poesia que se torna mais sensível esta necessidade da manifestação do espírito brasileiro (in ZILBERMAN; MOREIRA, 1998, p. 274).

Mesmo com essa efervescência entusiástica oitocentista pela palavra de ordem “nacionalizar-se”, é válido salientar que, até a década de 1830, apenas os estudiosos estrangeiros que voltaram seu olhar para o Brasil indicaram a percepção de uma entidade nacional no âmbito do Império, tendo “encara[do] as letras brasileiras em perspectivas críticas” (MARTINS, 1983, p. 82). A partir de então, “[a] literatura reflet[iu] de forma expressiva essa atmosfera de intenso nacionalismo” (MARTINS, v. II, 1992, p. 393), e tanto o teatro quanto a prosa de ficção e a poesia procuraram expressar assuntos e espírito brasileiros. No caso da crítica, que também viveu esse ambiente de entusiasmo pela vida nacional, ela se viu na posição de sumariar os elementos constitutivos do nacionalismo, o que colaborou para a ampliação dos seus espaços de atuação, bem como para a importância que ela foi conquistando nesse período. Não obstante, é conveniente frisar:

Embora uma parte dessa crítica pudesse ser justa, a perspectiva de mais de um século permite ver a fecundidade do movimento romântico para a definição das normas estéticas que traduziriam a realidade brasileira, para o estabelecimento de símbolos – quem sabe se mitos – capazes de definir o nacionalismo brasileiro (LEITE, 2017, p. 219).

A partir da referida defesa e manifestação radical do nacionalismo em nossas letras, Macedo Soares define a nacionalidade como a “exata expressão da vida de um povo e de suas relações com o país que habita” (SOARES, 1857, p. 395), o que o leva, baseado em ideia já bastante difundida em sua época, a conceber a literatura como expressão da sociedade. Assim, esta, ao lado da natureza física, seria matéria para a produção literária, pois “a literatura é nacional quando está em harmonia perfeita com a natureza e o clima do país, e ao mesmo tempo com a religião, costumes, leis e história do povo que o habita” (SOARES, 1857, p. 387).

Em outras palavras, para a produção poética alcançar caráter nacional, o poeta precisaria aliar os elementos sociais e os elementos da natureza, amalgamando-os na perspectiva do “sentimentalismo americano” (SOARES, 1857, p. 392), ou como Macedo também o denominou, pelo “senso íntimo” (SOARES, 1860b, s.p.) ou “sentimento íntimo, do mais pessoal e intransmissível dos fenômenos psicológicos” (SOARES, [1857]1862b, s.p), que deveria harmonizar-se com a realidade exterior para estabelecer sentidos e corresponder ao nacional e original.

Esse “sentimentalismo americano” refere-se ao modo como são sentidas ou percebidas as impressões advindas da natureza e dos costumes locais, manifestando-se por meio dos elementos simbólicos manejados na escrita literária. É um modo de ver e de sentir que traduz, portanto, a ligação profunda entre a capacidade criativa do poeta (“sentimentalismo”) e os elementos locais (“americano”), resultando, assim, na originalidade do artista. Em vista disso, ser nacional é, ao mesmo tempo, ser original, como o próprio crítico reforçou: “Eu não sei […] como se pode separar a originalidade da nacionalidade; porquanto ser nacional, isto é, de seu século e país, equivale a ter feições próprias suas, um caráter distinto e peculiar, uma fisionomia original” (SOARES, 1860b, s.p.).

Inferimos que o referido sentimentalismo parece corresponder ao “princípio íntimo” antecipado por Santiago Nunes Ribeiro em seu ensaio “Da nacionalidade da Literatura Brasileira”[1], de 1843, publicado na Minerva Brasiliense. Nunes Ribeiro destaca a significativa influência “[d]as condições sociais e [d]o clima do novo mundo” na elaboração de uma obra literária, ou seja, esse princípio seria resultante “das influências, do sentimento, das crenças, dos costumes e hábitos peculiares a um certo número de homens, que estão em certas e determinadas relações” (in SOUZA, 2014, p. 174-175, v. 1). Santiago Nunes Ribeiro identificou, assim, um “modo próprio de sentir e conceber” (in SOUZA, 2014, p. 176, v. 1), que faria da nossa poesia “filha da inspiração americana”. Essa inspiração seria inerente ao homem, mas também estaria sujeita às modificações oriundas de influências externas que agiriam “por meio das sensações” (in SOUZA, 2014, p. 189, v. 1).

Esse “princípio íntimo” seria, então, a nota diferenciadora da nossa literatura em relação à de Portugal, e só poderia ser alcançado através dos elementos simbólicos que alimentavam o nosso caráter nacional. Pelo mesmo viés, Macedo Soares entendeu o sentimentalismo americano[2], como a essência da nacionalidade literária, constituída pela interiorização dos elementos exteriores que, consequentemente, iriam se entranhar naturalmente na literatura produzida pelos nossos poetas, os quais deveriam se orientar pelas seguintes diretrizes:

[…] contemplar o espetáculo da natureza, sentir e saber sentir as impressões dele recebidas; […] mostrar-se possuído de muito sentimento religioso, porque sem religião não há arte; […] apreciar os costumes, porque eles são a filosofia do povo […]; […] conhecer as instituições do país, por          que sem elas não há sociedade, não há povo, não há família; finalmente […] compreender as tradições pátrias, revelar o segredo do passado, o laço místico que o une ao presente para pressentir os infortúnios ou as glórias do futuro (SOARES, 1857, p. 387).

Percebemos, então, a necessidade de uma inserção nacional, o que nos faz conceber o “sentimentalismo americano” como algo, em parte, circunstancial, dado que o poeta teria diante de si todos os elementos e situações necessários, com os quais convivia ou deveria conviver e dos quais deveria se apoderar, para produzir uma poesia nacional e com a qual o brasileiro se identificasse. Observamos, ainda, certa consciência de nacionalidade que precisaria lidar com as questões históricas, institucionais e culturais do país, a fim de conquistar uma expressão verdadeiramente nacional. O problema da nacionalidade, assim, era de natureza estética, e por isso Macedo Soares dará destaque para a forma que, a seu ver, deve estar de acordo com a ideia a ser expressa.

É válido salientar ainda que o referido “sentimentalismo americano” era, conforme Macedo, sentido por todos os poetas habitantes do continente americano, o que os diferenciaria dos poetas europeus. Era o “instinto de americanidade”, como indicou Luiz Roberto Cairo (2012, p. 221), que foi tomando corpo à medida que se firmava a nossa nacionalidade literária, e que foi pressentido por Macedo Soares, através da sua inclinação comparatista espontânea, presente na sua análise supranacional, ao tratar da representação da natureza na literatura norte-americana e na brasileira:

Procedem, o brasileiro como o norte-americano, da mesma natureza, são ambos filhos das selvas, extasiam-se ambos ante a majestade da vegetação do novo mundo […]. Fenimore Cooper e Longfellow descrevem a natureza como uma fonte de beleza espiritual, como um objeto digno de veneração; descrevem-na os nossos poetas como uma fonte de prazeres, mas prazeres de outra ordem, desses que nos dá o sossego do espírito em descuidado vagar (SOARES, 1860a, s.p.).

Apesar de os poetas norte-americanos e brasileiros pertencerem ao mesmo continente e, por isso, terem contato com a mesma natureza, a percepção que dela têm e expressam se diferenciaria, ou seja, o sentimento de pertencer ao continente americano não se manifestava da mesma forma nos poetas do norte e nos do sul. Macedo Soares credita essa diferença ao fato de que os poetas dos Estados Unidos tomam o trabalho com a poesia como uma filosofia diária, ao passo que os do Brasil encontram no “repouso a felicidade mundana”. Ainda nessa articulação entre as literaturas em questão, o crítico acrescentou:

Mais analistas, os poetas norte-americanos estudam e compreendem melhor o coração humano; há mais filosofia em suas poesias, mais elevação na ideia, mais vida, porém dessa vida calma e tranquila a que acostumam os hábitos do trabalho. Nós nos deixamos ficar pela rama; poetizamos com mais fogo, mais sentimentalismo, é mais brilhante a nossa imaginação, mas tudo é exterior, quase tudo convencional. Nos Estados Unidos, a autonomia do pensamento individual deve necessariamente prestar mais força e vigor à forma lírica do ideal poético; no Brasil, há um certo panteísmo, tanto recebemos a vida da ação do poder que não nos resta a autonomia da individualidade; aqui, a epopeia deve ser a forma estética do espírito nacional: tudo quanto for a saga, o epos, a narração onde se assimilam os autores aos atores, subordinados ambos à fatalidade dos sucessos, há de condizer com os nossos hábitos sociais (SOARES, 1860a, s.p.).

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CAIRO, Luiz Roberto. Antonio Joaquim Macedo Soares, nacional e americano, essencialmente comparatista. In: NETO, Paulo Bungart; PINHEIRO, Alexandre Santos (Orgs.). Estudos Culturais e Contemporaneidade: literatura, história e memória. Dourados: UFGD, 2012.

CANDIDO, Antonio. O romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas/FFLCH, 2012.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade (1500 – 1960). São Paulo: EDUSP, 2004.

LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia. São Paulo: Editora UNESP, 2017.

LUZ, Eduardo. O quebra-nozes de Machado de Assis: crítica e nacionalismo. Fortaleza: Edições UFC, 2012.

MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. V. 1.

_______________. História da inteligência brasileira. São Paulo: T.A. Queiroz, 1992. V. 2.

SOARES, Macedo. Considerações sobre a atualidade da nossa literatura. Ensaios Literários do Atheneu Paulistano, São Paulo, n. 2, julho, 1857.

_______________. Ensaios de Análise Crítica – Cantos da Solidão. Poesias do Sr. Bernardo J. da Silva Guimarães. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, n. 267, outubro, 1858.

_______________. José Alexandre Teixeira de Mello – Sombras e Sonhos. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, n. 142, maio, 1860a.

_______________. Ensaios de Análise Literária – Bittencourt Sampaio – Flores Silvestres. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, outubro, 1860b.

_______________. Tipos literários contemporâneos II – Gonçalves Dias I (Primeiros Cantos). Correio Mercantil, Rio de Janeiro, janeiro, n. 5, [1857]1862a.

_______________. Tipos literários contemporâneos II – Gonçalves Dias III (Últimos Cantos). Correio Mercantil, Rio de Janeiro, janeiro, n. 8, [1857]1862b.

SOUZA, Roberto Acízelo de (Org.). Historiografia da literatura brasileira: textos fundadores (1825-1888). Rio de Janeiro: Caetés, 2014. V. 1.

ZILBERMAN, Regina; MOREIRA, Maria Eunice (Orgs). O berço do cânone: textos fundadores da história da literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.

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[1] Macedo Soares chegou a citar o artigo de Santiago Nunes Ribeiro num ensaio em que trata de Gonçalves Dias, publicado no Correio Mercantil, em 1862. Na ocasião, Macedo concorda com a ideia defendida por Nunes Ribeiro, de que a linguagem poética deve estar de acordo com a época em que vive o poeta; logo, não se podia exigir caráter nacional da poesia colonial, visto que “era portuguesa demais para satisfazer a solução do problema” (SOARES, [1857] 1862a, s.p.) relativo à nossa nacionalidade literária.

[2] Não esqueçamos do “sentimento íntimo” defendido por Machado de Assis em seu “Instinto de nacionalidade”, de 1873.

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Juliane Elesbão é Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação do prof. Titular Roberto Acízelo de Souza; mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará, sob a orientação da profa. Titular Odalice de Castro Silva.

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