João Rodrigues

Carta de um soldado ao mundo

CARTA DE UM SOLDADO À HUMANIDADE

Planeta Terra, dias antigos e atuais

Sou um soldado. Um dos milhões que participaram de tantos conflitos mundiais que o coração humano teve a maldade de iniciar. Combati em todos os continentes, lutei nas Grandes Guerras, e nas pequenas também. Mas confesso que não existem pequenas guerras. Todas elas são imensas, avassaladoras, pois preenchem toda a alma e o coração humanos; destroem corpos e mundos; ferem para toda a vida e além dela.
Minhas mãos espalharam sangue, pranto, dor e morte em todas as terras por onde passei. Meus olhos viram tantos horrores que minha mente é incapaz de descrevê-los. Todos os dias ouço gritos de desespero, choro e lamentos, que dilaceram meu já combalido espírito. No corpo, carrego as marcas de baionetas, estilhaços e torturas, marcando toda a minha pele, como se fosse um livro escrito a ferro e fogo, para que eu não consiga jamais me esquecer do que sou, do que fiz, do que sofri e do que, como humano, possa vir a sofrer. Uma eterna lembrança de que a guerra não vale nem uma só vida.
No entanto, nenhuma dessas marcas é maior do que as que carrego na alma. As que carrego no corpo já cicatrizaram, mas as que tenho em meu interior reabrem a cada declaração de guerra, a cada conflito, a cada invasão. Meu coração dói a cada jovem alistado para uma batalha que não é sua, a cada despedida entre um soldado e sua família, a cada homem morto retornando pra casa coberto com a bandeira de seu país. Essas chagam renascem com cada vida perdida em uma guerra absurda, sem sentido, plantada pela arrogância humana.
Muitas vezes, nas trincheiras, me perguntei por que tinha que matar um “inimigo” que nunca conheci, que nunca me fez mal algum, que poderia, como qualquer outro, ser meu melhor amigo. Me indagava por que tinha que lançar bombas contra cidades e campos, destruindo vidas inocentes, levando sofrimento a quem já carrega a sua própria cruz diária. Tudo em nome da pátria!
A pátria é todo o Planeta, mas os homens o dividem! A humanidade é uma só, mas os homens a dividem! A vida é para ser vivida a cada dia, mas os homens a abreviam com suas lutas insanas, com seu orgulho, com sua loucura. A morte deveria ser apenas um fato natural, mas os homens a antecipam devido a sua sede de poder, sua ignorância e estupidez.
Infinitas vezes morri em batalha, mas ressuscito a cada conflito, séculos após séculos, neste mundo sedento de ódio. E, mesmo sendo um soldado, vivo cansado de guerras.
Por favor, me deixem descansar em paz.

Assinado: Um soldado

PS: A guerra morre em cada ato de paz.

João Rodrigues

Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/guerra-soldados-p%c3%a1ra-quedas-469503/

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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