Oswaldo Eurico Rodrigues

Sobre cocos, escolhas e julgamentos

Início do recesso. Dia muito quente. Resolvi procurar algum vídeo interessante para assistir. Fui navegando naquele site famoso que leva você por canais pelo mundo de olhares e opiniões. Talvez influenciado pelo clima, acabei assistindo a um vídeo sobre a extração de leite de coco. Gosto muito de leite de coco gelado. Você deve estar se perguntando por que estou escrevendo sobre essa bebida. Na realidade, o cuidado da apresentadora me fez pensar. Ela, a todo instante, dizia não haver problema nenhum em consumirmos leite animal. Ela apenas gostava muito do sabor extraído do fruto seco do coqueiro. Ela tinha preferência por esse leite (ou extrato, como diriam alguns. Eu sou do grupo a chamar de leite todo líquido branco não transparente). Não há nenhum problema em beber leite de vaca. Ela mesma até usava leite animal em suas sobremesas. Hoje, vivemos tempos difíceis quanto a intolerância. Não falo da intolerância à lactose! Falo da incapacidade das pessoas de analisar os discursos de maneira isenta, sem prejulgamentos ou preconceitos. Seria desejável, pelo menos chegar ao final dum vídeo, analisá-lo e, depois, sim lançar algum comentário pertinente. Esse foi o motivo desse texto começar a crescer e ganhar o próximo parágrafo.

Há muito não tenho escrito nada. Falta de tempo? Sim! Poderia conquistá-lo e não o fiz. Ele precisa ser conquistado embora não dominado. Deixei os ponteiros do relógio me golpearem. Eles corriam mais rápido do que campeão olímpico. E eu nem saia do lugar para treinar. Músculos mirrando, ossos enfraquecendo e o relógio se agigantando… Recebia pontapé após pontapé. Num desses golpes, fui para a frente, bati a cabeça e voltei. Caí. Aos trambolhões entre o antes e o depois, segui cambaleando no instante interminável. Estava bêbado de ideias e sem o menor equilíbrio. Quem gosta de conversar com alguém de pileque? Qual o crédito dum bebum? Talvez, o grande mérito dos embriagados seja despertar em nós o humor e a irritabilidade. Paradoxal? Não sei… Mas posso dizer uma coisa: o discurso do pinguço pode levar uns a rir, outros a chorar, outros a ficar com raiva. Os sentimentos despertados são diferentes. O discurso é o mesmo. Vindo de lugares tão profundos a ponto de emergir deformado pela descompressão. As palavras boiam esquálidas na superfície das ideias. Mesmo em corpo amorfo, feio, ferido, as palavras saem da boca dum ébrio e grudam em nós. Não têm perfume. Nas regiões abissais da mente, os aromas não são tão agradáveis. Não gostamos de cheiros ruins! Gostamos de fragrâncias, cujos odores mascaram o futum dos nossos defeitos. São as palavras enfeitadas dos ditos sóbrios, dos normais.

Nunca nos preocupamos tanto com o julgamento alheio quanto hoje! Digo isso sem base científica nenhuma! Sou respaldado pela minha própria capacidade de ouvir e ler com pretensa isenção e com o filtro da parcialidade descarada de quem vive o agora de meio século e mais alguns anos até o dia em que publiquei esse texto. Tenho crenças fortes e uma superior a todas as outras. Essa que gostaria de escrever sempre com letras maiúsculas me dá coragem de dizer algumas coisas a contrariar até mesmo os princípios balizadores da minha fé. Não sei quanto tempo esse registro em palavras vai perdurar. Não sei nem quando será publicado. A cada dia meu olhar vai mudando. Quem sabe um dia até venha a rir do que você está lendo agora? Talvez sinta vontade de rasgar o papel (ou apagar o arquivo?). Por enquanto, fixa-se a ideia dum cinquentão acumulador e sedento de idades, da altura dos meus olhos ao chão e ao céu e da largura dos meus braços do ocidente ao oriente. O julgamento persiste em mim. Persiste em você. Persiste em todos nós. Eis o tribunal móvel e interpenetrável com arquitetura orgânica invisível. Vamos abrir os trabalhos!

Alguém se queixa da abordagem dum segurança numa loja. O agente foi grosseiro com uma cliente. Ela alega ter sido constrangida pelo funcionário. Num supermercado, um homem é revistado de forma desrespeitosa. Uma professora permitia (e até praticava) bullying em sua sala de aula. Os noticiários nos trazem essa e outras situações. Diante dos próprios noticiários, há quem encontre aspereza, preconceitos de vários tipos, implementação de ideologias… Os castigos são vários. Policiais são afastados do serviço enquanto as investigações estão em andamento. Professores são demitidos. Maridos são presos. Mães são afastadas de seus filhos. Pastores e padres perdem suas credenciais. Instituições perdem o crédito!

Quem são os juízes? Quem são os delatores? Onde ficam os tribunais? Quando serão instaurados os inquéritos? Tudo isso pode começar a partir dum simples comentário de alguém vindo não se sabe de onde e sem saber para onde vai, mas capaz de falar com a autoridade posta acima do bem e do mal concedida pela escola do senso comum com certificação pseudocientífica criado pelo poder midiático. Tudo pode ser motivo para uma discussão interminável a durar até um novo escândalo surgir. A partir desse momento, os valores podem mudar. O antigo problema foi substituído pelo novo. A novidade nossa de cada dia a tornar nossos dias uma torrente de supostos fatos na maré de certezas que vêm e que vão. Cada onda arrebenta pior do que a outra e deixa os destroços na areia. O sol escaldante queima, arde. É preciso se recolher, usar uma loção capaz de aliviar as queimaduras. Por um bom tempo, as marcas das roupas de banhos ainda estarão visíveis até a pele morta cair e vir nascendo outra a sofrer novamente a dureza do astro-rei.

O recolhimento é preciso. Descansa-se sem se saber como mover o corpo. Tudo dói! Uma dor intensa causada pela radiação pode ser o embrião dum futuro câncer de pele. Pior: pode haver metástase! Uma cura: o silêncio! Se você não pode ou não quer atacar, cale-se! Se você é respeitoso, cale-se! Se é ético, cale-se! Se existe razão, é abafada pela emoção frenética e avassaladora.

Novos dias de novas saídas e impressões deixadas no caminho. O discurso foi politicamente correto? O amor vencerá? Ofenderemos às pessoas praticantes de alguma coisa moradoras de algum lugar a seguir alguma ideologia ou fé? Seremos castigados a viver no limbo da falta de acesso? Uma inteligência elevada a condição superior não natural selecionará quem poderá ler o que, onde, de onde, para quê? Quem será o carrasco e quem será o sacrificado? Quem será lançado na fogueira? Decapitado? Depauperado? Desacreditado? Exonerado? Desamado? Esquecido?

Não quero nem pensar nisso. Vou tomar uma água de coco bem gelada. Preciso repor sais minerais. Talvez seja melhor juntar a essa água a polpa do fruto e o leite integral da vaca e mais um pouco de leite em pó e aveia. Seria a bebida perfeita! Vegetal e animal, orgânico e industrializado. Todos processados em liquidificador, depois armazenados em geladeiras e servidos em copos belíssimos! Ninguém foi deixado de fora! O leite continuará de vaca, de cabra, ovelha… De coco, amêndoa, castanha, arroz… Espero não inventarem leite de destruição humana cinza, roxo e vermelho…

 

 

 

 

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4 Comentários

  1. Que profundo, querido! Gostei muito de ler e viajar nas palavras escritas por você. Parabéns!

  2. Enfim, férias! Para trapacear o tempo, onde ele não estava sendo aproveitado 100% de uma maneira consistente e com intenção plena, eis que surge esse texto que é capaz de criar uma camada de pensamentos e até mesmo uma auto-reflexão. Texto agradável, cativante e complexo assim como sua personalidade, o que é ótimo, pois, são pessoas assim que não fazem comentários infelizes em cenários que se trata de uma pessoa opinando algo, ou até mesmo fazendo alguma coisa inusitada, que vá gerar incomodo nos “opinadores e defensores de plantão”. E como futura nutricionista, eu diria que esse mix está ótimo, tudo é questão de equilíbrio! Um abraço da sua sobrinha Lívia.

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