Valdeci Santana

A mulher da revista

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A mulher da revista.

Tem sido assim; durante o jantar estou cada vez mais calado. Também quase não como. Apenas reviro a comida sem ânimo.

Estou angustiado!

Devastado pela mulher da revista. Ó céus! Como mexe com meus pensamentos aquela mulher.

Observo minha esposa, que serve o jantar com sua pressa habitual, carregando crianças e panelas, resmungando, com fios de cabelos colados na fronte suada. A mulher da revista é plena até mesmo nas tarefas diárias. Na pagina treze, por exemplo, ela está cultivando um canteiro de girassóis debaixo de um sol abrasador, e nem por isso exibe aquele aspecto cansado, pelo contrário, está linda, num belo vestido colorido de alças que revelam a curva perfeita de seus ombros. A pele sempre brilhante, a maquiagem intocada. A mulher da revista nunca está despenteada, mal vestida, sequer de mal humor. Ela é perfeita!

Na página quinze, ela serve o jantar dos filhos com um sorriso angelical estampado no rosto. Nada de marcas de cansaço ou queixas da rotina.

Já esta mulher com quem me casei se sentará diante de mim, e despejará uma dúzia de reclamações. Criticará o trabalho, o preço dos alimentos, o cachorro do vizinho, a torneira que eu ainda não arrumei e até a forma como eu mastigo. Não! Se fosse a mulher da revista, as coisas seriam bem diferentes. Ela me esperaria com uma taça de vinho nas mãos de unhas bem feitas, exatamente como na página oito. Com uma roupa casual, mas, incrivelmente sexy, e aquele sorriso sedutor nos lábios bem pintados. Depois, conversaríamos descontraidamente, exatamente como ela conversa com a amiga na página dez, e eu observaria cada traço de seu rosto magnifico, e me sentiria o homem mais feliz do mundo, por ser casado com a mulher perfeita. E mais tarde, quando as crianças fossem dormir, ela vestiria aquela camisola de seda da página dezoito. Ah! Santa página dezoito!

A mulher da revista não acorda despenteada e apressada para o trabalho como a minha. Ela acorda bem disposta, sorrindo para os pássaros exatamente como na pagina quatro, depois ela malha antes do banho como na página cinco. Depois ela se senta e toma calmamente seu café, e então, ela pega sua bicicleta da página nove e desfila pela cidade, sentindo o vento brincar com seus belos cabelos. A mulher da revista está sempre feliz.

Se eu fosse casado com a mulher da revista eu também seria feliz. Quem não seria feliz, casado com uma deusa daquelas?

A mulher com quem me casei, já perscruta meu rosto, pronta para acusar-me de estar distante. Posso vê-la dizendo: “Ei! As crianças estão falando com você”. Perguntará qual o problema comigo. Comigo? Será que não é tão óbvio, que o problema é justamente ela, que não é a mulher da revista? Num ímpeto de fúria, de desgosto absoluto, me levanto. Ela se surpreende com a forma brusca com a qual empurro o prato. Quero dizer-lhe algo, mas, me calo, seria em vão, ela não entenderia. As mulheres não aceitam bem as comparações. Então, agarro minha revista e saio.

Volto para casa de madrugada. Estou derrotado! Imerso em lagrimas que queimam e dilaceram minha alma. Meu corpo se arrasta deprimido pela casa. Ela está acordada, me esperando. Corre a abraçar-me e beijar-me, perguntando-me o que me deixou assim, tão desesperado. Ela está preocupada. Não lhe digo que rasguei a revista em mil pedaços. Não lhe digo nada sobre a minha descoberta. Ela não acreditaria. E quem acreditaria? Se eu dissesse que aquela mulher perfeita exposta na revista, simplesmente não existe. Isso mesmo. Uma arrumação de alguém tão covarde.  Descobri que se trata de uma mulher comum, interpretando a mulher perfeita. Agora estou em duvida se minha esposa também seria uma mulher comum capaz de interpretar a mulher perfeita, ou, seria a mulher perfeita tentando interpretar uma simples mulher comum?

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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