Um dia de Carnaval
Marques de Sapucaí, o coração bate forte. Escuto o puxador do samba embalando o início do desfile. As últimas fantasias são colocadas e os últimos ajustes são feitos. Olho para o céu, tempo fechado. Uma gota de chuva cai e a preocupação aumenta.
O cavaquinho começa a tocar. A multidão se empolga, mas isso não começou agora. Tudo começou há um ano. Diretoria reunida, enredo traçado. Os primeiros rabiscos acontecem. Fantasia por fantasia é confeccionada. Falta material, compra material, a verba é pouca, o governo cortou.
Faz roda de samba na quadra para arrecadar mais dinheiro, faz o famoso angu à baiana da tia Maria. Os sambas começam a ser escritos (a poesia toma conta da escola). Finais de semana a fio são marcados para a grande decisão. Afinal, quem irá compor a letra que irá defender a escola na avenida (o sonho de todo grande compositor é ter seu nome eternizado num samba)?
Depois de três meses, samba escolhido. Ensaios marcados. Muitas discussões, desentendimentos, mas tudo por um amor muito maior, o carnaval. Para muitos o Carnaval é simplesmente uma data de folia, diversão, namoro ou pegação, mas para nós não! Para nós o Carnaval é a pulsação da vida, é o coração bater na toada do surdo, é a alma se elevar a cada giro da porta bandeira.
O verão chega, a ansiedade aumenta. Os nervos ficam a flor da pele nos barracões. E começamos a nos perguntar: “Será que vai dar tempo?”. Dezembro termina e janeiro começa, contagem regressiva. Faltam 30 dias para o grande espetáculo! Noites em claro, dias corridos, todo barracão é inspecionado. Tudo é conferido, afinal 1 décimo pode decidir um ano inteiro.
Voltamos ao grande dia. Corre-corre, gritaria, choradeira. A rainha da bateria chega na sua altivez tradicional. As passistas, com seu gingado, representam o que o samba tem de melhor, o molejo. A bateria se posiciona. A comissão de frente se concentra. O suor percorre o corpo de cada integrante, não pelo calor tradicional da época, mas pela responsabilidade de fazer bonito na avenida.
A ansiedade dá lugar à euforia. O samba começa e todos cantam. Um nó na garganta vem, é a consagração. 70 minutos resumem um ano inteiro de trabalho, um pouco mais de 500 metros nos separam da glória ou da derrota. Todos pulam, vibram, assim como a corda do cavaco a nos embalar.
45 juízes julgam nove quesitos, e nós somente clemência pedimos. Nesse momento todos veem a escola como unidade (a união de diversos em um só). O desfile acaba! Tudo certo, impecável! Ao fundo escuto uma senhora gritar: “É campeão!”.
A exaustão bate. O trabalho de um ano chega ao fim. Na terça-feira, o descanso merecido. Na quarta-feira, a grande decisão, a apuração. Nota a nota é declamada (o locutor parece declamar, como o poeta, suavemente cada nota). Taquicardia, dedos estalados, falta de ar. A apuração acabou! Viradouro campeã! E para as demais só resta à quarta-feira de cinzas. O mestre-sala tira seu chapéu e fim do Carnaval.
Uma crônica pautada na emoção, nos levando a vivenciar todos os momentos descritos, o coração chega acompanhar a cadência da poesia. Texto belíssimo.
A crônica revelou o sentimento que envolve aqueles que vivem a ansiedade, a dor e a alegria do carnaval. Parabéns!
Excelente! Senti até o arrepio do início da bateria e do grito do puxador! A emoção de quem trabalha o ano inteiro por aqueles minutos de beleza e magia!
Parabéns!
Que texto excelente, jamais imaginei que o Carnaval pudesse significar tanto e isso ficou muito claro no texto.
Um dia ainda escreverei assim, divinamente.
Parabéns, meu caro.
Excelente crônica, Renato! Revela com detalhes toda a emoção vivida pelos participantes das escolas! O texto ficou com um ritmo tão bacana que dá até pra ouvir o som da bateria ao fundo! Parabéns! Já posso usar em sala? Rs
Adorei o texto!
Uma crônica que segue na cadência rumo ao ápice. A prosa e a poesia na batida perfeita!