Crônica LiterawebRenato Cardoso

É campeão!

Dizem que a quarta-feira de cinzas é sem cor, mas arrisco a dizer que a deste ano não. A quarta-feira de cinzas de 2020 tinha cores (sim, duas!). Era totalmente vermelha e preta, ou melhor, rubro-negra.

O dia começou nublado, mas abafado (um dia típico de Rio de Janeiro), as pessoas estavam regressando da folia do Carnaval e, em um primeiro momento, aguardando o resultado dos desfiles das escolas de samba. Mas aquela quarta era diferente, tinha Flamengo no Maracanã, tinha decisão internacional.

Toda vez que o Flamengo joga é diferente, em decisão ainda, a atmosfera ganha um toque especial de Copa do Mundo. O torcedor rubro-negro é apaixonado (não sei quanto aos demais, pois nunca foi outro time a não ser Flamengo), se prepara para o embate. Existe todo um ritual (o Flamengo é quase uma filosofia a ser seguida).

Os saudosistas lembram-se da década de 80, quando o Flamengo contava com Zico, Andrade, Junior, e companhia, um esquadrão que dava medo aos adversários. Ganharam tudo que podiam. Naquela época, o futebol era diferente, era mais glamoroso, mais elegante. Os jogadores faziam carreiras em seus clubes, a o sarro era politicamente permitido (o que seria do futebol sem poder tirar sarro do adversário quando perde?).

Quarenta anos depois, o time ganha o mesmo encanto, fazendo explodir a “alegria de ser rubro-negro”. Somos quarenta milhões de torcedores, mas para aquela quarta-feira de cinzas, sessenta e quatro mil corações pulsantes foram representar a maior torcida do planeta.

Para o torcedor assistir um jogo ao vivo é único, no “Maraca” então… Escutar a torcida entoar seus cânticos de incentivo (e convenhamos que a torcida do Flamengo é diferenciada), se alguém chegar no Maracanã lotado na dúvida de por qual time torcer, sai de lá flamenguista.

A torcida entra no estádio. Todos apreensivos, mas confiantes, afinal o time já havia ganhado dois títulos em nove dias. Repórteres a beira do gramado, movimentação intensa. Nos vestiários, os jogadores se preparam, se concentram, sabem da responsabilidade que é defender o Flamengo.

Se a noite ganhara cores especiais, ela também ganhara um som apropriado. Digamos que não era o Dia D, mas sim o Dia G, Gê de Gabriel, de Gérson, e pronúncia da letra irmã Jota, de Jesus. Movimentação na entrada do túnel. Os jogadores estão entrando, a torcida grita (o estádio é um grande coração a pulsar, arrisco a dizer que ele ganha vida).

Todos devidamente aquecidos. Os hinos nacionais tocam. A bola vai para o dentro do gramado. O jogo inicia. A televisão ficou de fora da transmissão, logo todos aqueles que lá não estavam, voltaram aos áureos tempos e ficaram grudados no aparelho de rádio (a narração do rádio é mil vezes melhor).

A torcida empurra o time (funciona com um jogador extra). Dez minutos se passaram, o placar fica imóvel. Ao olhar do poeta, o jogo é como uma poesia, onde os jogadores são as canetas e o campo a folha a ser escrita. O gol não passa de uma interjeição, simbolizada pelo grito histérico da torcida.

Vinte e quatro minutos do primeiro tempo, Arão corta a bola, o zagueiro adversário se atrapalha (dizem que a camisa coloca medo), e ele, sempre ele, estava lá para empurrar para o fundo do barbante, Gabriel (Gabigol como preferir). Explosão! Placas se levantam: “Hoje tem gol do Gabigol!”.

Quatro minutos depois, Arão expulso. Flamengo com 10 em campo. Seria problema se aquele time não tivesse tão bem comandado. Não parecia ter um jogador a menos. Todos davam o sangue pela conquista. Todos os espaços ocupados. Fim do primeiro tempo! 1×0 marcava o placar.

Quinze minutos para os torcedores comerem aquele cachorro-quente, tomarem aquela cervejinha. Para quem está ouvindo em casa, momento para aferir a pressão e ver se está tudo bem, afinal tem mais quarenta e cinco minutos pela frente.

Bola rola no gramado! Diego Alves opera alguns milagres, e como um médico bem qualificado, é cirúrgico. Dezesseis minutos se passaram, Gabriel arranca com a bola, chega à linha de fundo, cruza. O zagueiro tenta tirar, mas Gérson estava lá e toca para o fundo das redes (não disse que a noite tinha um som apropriado).

Noite de Gê, de gênio, de gala. O baile continuou no campo. A música da dança era o canto da torcida em êxtase. Os jogadores queriam mais, o “Mister” queria mais. Substituição: entra o contestado Vitinho (mal sabíamos que ele seria peça-chave para o desfecho).

Novamente, ele, Gabriel lança Vitinho, que em alta velocidade entra na área, toca para o lado e encontra novamente Gérson, que joga no cantinho do goleiro. Gol! Explode o Brasil! Mais um título ao som de “Vapo-Vapo”. Na torcida, pai e filho, desconhecidos, amigos se abraçam. O futebol é a única comemoração, onde pessoas se abraçam extasiadas e de forma verdadeira. Fim de jogo.

A torcida espera a comemoração. Jogadores recebem as medalhas e os capitães levantam o troféu inédito (Campeão da Recopa Sulamericana). A quarta-feira de cinzas acaba, o Carnaval se consagra mais especial, pois o Flamengo foi campeão na avenida chamada Maracanã. O mestre da bateria, o “Mister”, embala seus componentes, a torcida, e os passistas, os jogadores, garantiram mais um bailar perfeito. Nota 10 em todos os quesitos (11 para harmonia e enredo).

3×0. Não tem como negar, o Carnaval não acabou nesta quarta de cinza, ele se estenderá até o desfile das campeãs.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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2 Comentários

  1. Jamais será incômodo!!!!!!
    Mengooooooooooooooooooooooooo!
    Além de escrever brilhantemente é meu time do meu coração!
    Como não amar?! Impossível!
    Parabéns pelo excelente texto!

  2. Confesso que assistir futebol não faz parte das minhas preferências, mas assistir o jogo pelas palavras desse poeta é maravilhoso. Texto esplêndido.

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