A história de Icaraí e o trampolim do tempo
Série: histórias do Brasil (Texto XIV)
Não lembro da última vez em que recorri a algum livro de História sobre o Estado Rio de Janeiro. No entanto, quebrei o jejum quando deparei com o título de certa obra interessante — e foi aí que vislumbrei a ideia do que vinha pela frente. Dei um pulo no tempo, um salto duplo nessa plataforma cronológica chamada história fluminense. Pois é, O Rio antes do Rio, volume escrito pelo jornalista Rafael Freitas da Silva, livro que me fustigou a curiosidade e me surpreendeu bem, principalmente por causa das abordagens sobre o lado de cá da Guanabara.
Não é raro ao leitor comum se defrontar com histórias de lutas entre portugueses, franceses e indígenas brasileiros, principalmente se isso refere a Estácio de Sá e suas respectivas ações marítimas do entorno carioca. De fato, não faltam matérias de leitura sobre o assunto. Porém, o caso é outro, a história que me fez colocar os óculos e perder as horas do futebol durante a tarde de sábado foi mesmo a parte da narrativa acerca do bairro Icaraí. Exato, o trecho do livro voltado para a tribo que deu nome à região niteroiense falava dos índios tupinambás de Akaray (corruptela de Akaraãy), revelando assim a origem do registro territorial em questão por causa do peixe Acará que, segundo o jornalista, consistia peixe tipicamente extraído das águas doces dos rios próximos. Ledo engano, caros leitores, permitam-me explicar: há os inusitados Acarás de Buraco ou, vulgarmente, “Peixe-cão” (Akara + ãy), animal outrora encontrado com facilidade naquela região da Guanabara e, segundo os relatos orais, constituía parte da dieta nativa, quando capturados nas tocas de corais e pedras que haviam baía. O passado natural de Niterói. Tempos mais tarde, ainda entre as décadas de 30 e 60, parte desse bioma nativo foi destruído para dar lugar à construção de um dos mais famosos pontos de encontros para banhistas e frequentadores: o Trampolim de Icaraí.
Pois é, mas a natureza também tem lá suas cobranças, quem mandou intervirem no lado de cá da Guanabara só para atrair turistas? Ambições hoteleiras, sabemos bem, empresariado afoito pelo crescimento econômico da cidade de Arariboia. Sabe-se que, certo dia, estando a estação de saltos da praia (o tal trampolim) já em estágio de degradação, eis que o mar resolve abocanhar o seu quinhão nessa partilha ingrata. Isso mesmo, a arquitetura da época não foi páreo para as águas de Icaraí, lá mesmo onde os inofensivos Acarás de Buraco foram exterminados com fins de construção insana. De acordo com o suplemento Niterói da revista do Jornal Fluminense: “Em 1963, uma forte ressaca fez com que o mar invadisse as ruas, destruindo ainda mais a estrutura, batizada pelos niteroienses de ‘trampolim da morte’. O trampolim foi interditado em 1962 e sua implosão ocorreu somente em 1964” (SOUZA, 2018).
Quer saber a moral da história? Infelizmente não há. Quando a natureza sofre, perdem todos, nativos, turistas, investidores, enfim, toda a sociedade. Quem sabe, daqui por diante, o salto dessa nossa sociedade seja para frente — e que os buracos fiquem reservados para aqueles que de fato os merecem.
Referências:
BARBOSA, Pe. A. Lemos. Pequeno vocabulário Tupi-português. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1951.
SILVA, Rafael Freitas da. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro: Babilônia Editorial, 2019.
SOUZA, Pamella. Cartão-Postal de Niterói in: O fluminense: Niterói. Niterói: RJ. Jornal O fluminense, nov. 2018, p. 30-31.
http://grupoprazerdejogar.blogspot.com/2009/11/ Acesso em 26 out 2019.