Fabio Rodrigo

Casal sem limites

Era um enorme sítio localizado no interior do estado e destinado ao lazer da família. O proprietário é um senhor de 80 anos que costuma ir até lá com seus filhos e netos para passar alguns dias de descanso. Em um desses finais de semana, enquanto todos estavam reunidos dentro da casa, seu neto, um adolescente de 16 anos, decidiu levar sua namorada para conhecer um canto do sítio bastante afastado da residência e de pouco acesso por seus familiares.

— É aqui que eu te falei.

— Mas não tem perigo?

— Perigo de quê?

— De alguém ver a gente?

— Não. Ninguém vem até aqui.

— E os vizinhos? Eles podem ver a gente.

— Não tem como eles verem não.

— Mas…

— O quê?

— Eu nunca…

— Nunca?

— Nunca.

— Você vai gostar.

— Primeiro a gente…

— Deixa eu te ensinar.

— Ah… claro… é que eu estou…

— É assim mesmo.

— Uhmmm…

— Isso.

— Uhhmmm…

— Faz assim.

— Ah… assim tá bom…

— Isso.

— Ai!

— O que foi???

— Acho que uma formiga mordeu meu pé.

— Relaxa.

— Uhhm…

—Ahhh…

— Uhm…

— Uhhmmm… que delícia!!!

— Já terminou?

— Já.

— Mas…

— O quê?

— Pensei que fosse…

— Pensou que fosse como?

— Diferente.

— Não gostou?

— Gostei.

— Eu disse pra você que iria gostar…

— Se bem que…

— Se bem que o quê?

— Pensei que fosse melhor.

— O que eu peguei estava uma delícia.

— O meu não. Estava um pouco azedinho.

— Não deu sorte então. Pega outro.

— Mas não tem perigo?

— Não. Pode pegar sem medo. Eu te ajudo a pegar.

— Acho que aquele está mais maduro.

— É sempre nesta época do ano que dá cambucá.

— Uhhmmm. Gostei desse. Está um pouco mais doce…

— Prometo te trazer aqui de novo.

— E se os vizinhos nos pegarem roubando o cambucá deles?

— Fica tranquila. Sempre fiz isso e eles nunca me viram pegar.

— Se é assim…

— Gostou do cambucá?

— Gostei sim.

O cambucá é uma árvore que dá uma frutinha tipicamente brasileira e é hoje considerada uma raridade devido a estar limitada a algumas chácaras e quintais particulares, como esta do vizinho. O jovem adolescente teve a sagaz ideia de levar sua namorada para conhecer esta árvore rara. O sim mostrou que valeu a pena. Foi a maior recompensa daquele jovem. Nada como um advérbio de afirmação pra deixar qualquer um aliviado e contente. Só o gostei não seria uma resposta satisfatória. Mas o gostei sim convenceu, não deu margem pra qualquer desconfiança. O sim mostrou que não há como não se render ao sabor inigualável do cambucá.

Mostrar mais

Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo