Fabio Rodrigo

Chegou chegando

Estávamos eu e minha esposa em um steakhouse localizado em uma região nobre da cidade. Estar neste local é privilégio para poucos, já que grande parte de seus frequentadores pertencem a uma camada social de bastante prestígio da nossa sociedade. De repente, um simpático sujeito, que não se enquadra nesse perfil social, surgiu inesperadamente pra puxar uma conversa. E como ele mesmo disse: chegou chegando.

Era um sujeito de aproximadamente 50 anos e traje simples. Após atingir a um nível de embriaguez, ele se levantou de sua cadeira e, imaginando que estivesse em sua casa, resolveu bater um papo com um desconhecido. Que, neste caso, era eu. Muito provavelmente era sua primeira oportunidade de estar naquele local. E, por isso, exagerou na bebida. Observei que todos à nossa volta reprovavam o jeito excêntrico do sujeito.

Ele contava que o que ele gosta mesmo é de beber bebendo. Tive que dizer em tom sarcástico que eu não tinha dúvidas disso. Ele, no entanto, não entendeu minha piada e continuou falando. A todo momento, ele usava expressões como estas: “conversar conversando”, “falar falando”, “dizer dizendo”, “olhar olhando” etc. Era um sujeito que, com seu jeito malandreado e irreverente, conquistou minha atenção. Poderia ter chamado o gerente para mostrar meu repúdio quanto à presença daquele homem na minha mesa. Era o que muitos talvez fizessem no meu lugar. Preferi não fazer isso. Achei por bem ouvi-lo. Era a forma que eu tinha de dar voz a um expoente de uma camada subalterna, que muito tem o que dizer apesar de não lhe darem espaço para isso.

Já havíamos pedido a conta, e o sujeito não desgrudava de nossa mesa.  Quando finalmente nos levantamos para ir embora, o sujeito, encabulado com a nossa decisão, manifestou seu desapontamento. Não tive outra saída senão dizer: “Está na hora de partir partindo”. Ele deu uma sonora gargalhada, e saímos satisfeitos.

Imagem interna e externa: https://pixabay.com/pt/vectors/tabela-mobili%c3%a1rio-jantar-294592/

Mostrar mais

Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo