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Você, Escritor! – Crônica: “A variante do bordel” – Claudia Rato

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A variante do bordel
*Claudia Rato

A pequena e pacata cidade de Paraguape do Sul amanheceu em alvoroço quando os moradores acordaram com a notícia da infestação de uma variante pegajosa e extremamente contagiosa descoberta dentro do único prostíbulo local.
Anteonardo ainda estava na cama quando leu a matéria no Troçobuqui, a rede social mais acessada no município – uma espécie de Guaraná Jesus para os maranhenses.
Segundo a informação, que chegou como forma de plantão com direito a vinheta assustadora e tudo mais, o caso era sério e exigia muito cuidado, pois a doença era passada pelo ar, pela pele, pelos objetos e um dos primeiros sintomas era uma coceira sem fim, daquelas que nem um banho na banheira de gelo amenizaria.
Sintovalda estava tranquila com o anunciado já que seu marido, o Anteonardo, era um santo, um exemplo para a família e amigos. A rotina do cara era sair de casa e ir para o trabalho e vice-versa.
Só que naquela fatídica manhã, o dito cujo mal conseguia sair da cama. Começou a sentir uma coceira sem fim. Num misto de autotortura e desespero, sequer podia encostar uma unhazinha em sua pele para não deixar a esposa com a pulga atrás da orelha. Quase morreu, tamanha coceira.
Bolhas esverdeadas por todo o corpo e rosto também se formariam no terceiro dia de contágio, evidenciando aos demais a prova da contaminação, o que para muitos seria a concretização dos fatos e, por consequência, uma possível emboscada rumo ao cadafalso.
Quem também estava prestes a se deparar frente a frente com a guilhotina era Stefanildo. Ao contrário de Anteonardo, esse não conteve a comichão, coçando o corpo inteiro frente à mulher, que também tomou ciência da origem do tal vírus da casa vermelha.
Genival, Cremilson, Zaías e Damielvison começaram a sentir os mesmos sintomas. O terror estava à solta. Além do medo do que mais essa doença viria a causar, o maior temor era a descoberta das esposas Albertina, Fia, Carmeliana e Josvênia.
Carmeliana não era muito adepta da rede social, mas gostava muito de conversar na calçada com as outras três mulheres. Zaías tratou logo de falar para a mulher que um vírus aterrorizante pairava na cidade e que ninguém poderia sair de casa, nem sequer a abrir a janela de casa por quarenta dias.
Damielvison, que acorda sempre antes da esposa, deixou um recadinho para a mulher avisando que teria que trabalhar por um mês em outra cidade e picou a mula.
Já Genival e Cremilson não tiveram muito o que fazer, o primeiro foi logo se desculpando dizendo que não era nada do que Albertina estava pensando e que apenas foi ao inferninho do piscante vermelho prestar seu serviço como eletricista. Cremilson teve que se virar e se coçar sozinho depois de Fia, a companheira, jogar suas roupas e o próprio pela janela da casa térrea.
Aos que disfarçaram a coceira, ainda havia uma luz no fim do túnel. Para não passar para a segunda fase da doença, bastava esfregar o corpo inteiro com um sabonete manipulado por uma indústria de uma cidade vizinha, cujo dono era sobrinho do prefeito de Paraguape do Sul.
A procura foi tamanha que foi necessário reabastecer duas vezes as farmácias locais.
Até mesmo os insumos para a produção do produto haviam acabado e a fábrica parou de produzir o tal remédio milagroso. O sobrinho do prefeito passou a rir à atoa, não tinha sequer um sabonetezinho nas prateleiras.
Descobriu-se depois que tudo não passou de um boato para vender os tais sabonetes, sob a promessa de uma rechonchuda propina ao tio político, com pequeno percentual à rede social, que também pertencia à família do prefeito.
Quarenta dias se passaram. Margô, a cafetina, que já não tinha mais clientes, teve que fechar seu ganha pão. Sob forma de recompensa pelo prejuízo causado, as “primas” do bordel passaram a receber um auxílio emergencial da prefeitura de Paraguape do Sul com verba retirada da Educação das criancinhas.
Para comemorar o fim daquilo que nunca aconteceu, o pastor da única igreja da cidade chamou toda a comunidade para participar de um culto com a presença do mais elevado membro da entidade, o dono da bola, digamos assim, bispo Erveraldo, recém-chegado do exterior.
No dia seguinte, outro plantão alertava a todos os fiéis sulparaguenses sobre a existência de um vírus assustador trazido pelo ilustre convidado.
Cinco dias seriam o suficiente para a lambança toda. Apenas um antídoto resolveria o caso. Para agilizar todo esse processo e deixar a cidade inteira a salvo, o pastor já teria negociado a compra do remedinho para revender a toda a população.
Que Deus abençoe esse pastor visionário e família, que inclui a primeira-dama, esposa do prefeito.

*Claudia Rato é jornalista e autora do livro de contos Pra mim você morreu!

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Redação

A Revista "Entre Poetas & Poesias" surgiu para divulgar a arte e a cultura em São Gonçalo e Região. Um projeto criado e coordenado pelo professor Renato Cardoso, que junto a 26 colunistas, irá proporcionar um espaço agradável de pura arte. Contatos WhatsApp: (21) 994736353 Facebook: facebook.com/revistaentrepoetasepoesias Email: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com.br

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