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Série: Quarenta, é sério? – Cap.#12 – Crônica: “A alta” – Renato Cardoso

Série publicada quinzenalmente às sextas na Revista Entre Poetas & Poesias - Instagram: @professorrenatocardoso / @literaweb / @devaneiosdumpoeta / @revistaentrepoetas

O fisioterapeuta observou tudo e a primeira medida foi retirar a ventilação mecânica que estava em uma unidade. Satisfeito, ele disse: “Acho que tem gente que vai ter alta hoje. Vamos testar?”.

Prontamente me pus à disposição para qualquer tipo de teste. Primeiro, ele me colocou de pé para ver meu equilíbrio (o mesmo estava um pouco afetado devido ao clonazepan que tomava toda noite para poder dormir). Depois, me pediu para andar de uma parede a outra da enfermaria.

Assim que isso foi feito, mas todas as vezes que algo era testado, o fisioterapeuta media minha saturação. Antes dele chegar, media entre 96, 97 e depois dos testes ficou variando entre 94, 95 (o que já seria motivo de felicidade, pois se considerava controlada e fora de perigo).

Como terceiro teste, o profissional pediu para que eu subisse dez vezes, com cada perna, uma escadinha que era usada para os pacientes subirem na cama. Fiz vagarosamente (para poder fazer direito) e minha saturação foi novamente medida e deu 95.

Tudo levava a crer que iria embora naquele dia. Tudo estava dando certo. O fisioterapeuta olhou e disse: “Vamos caminhar pelo hospital? Afinal você chegou aqui na madrugada e nem tem ideia de onde está”. Na mesma hora topei, pois só conhecia a outra enfermaria, que ficava a alguns passos da minha.

Ele me amparou e saímos. Passei pela recepção andar, onde os médicos se reunião com as enfermeiras para realizarem as visitas. Local onde ficavam todos os prontuários do hospital.

Todos que passam por mim, me desejavam pronta recuperação, sucesso, ou, até mesmo, brincavam. Eu estava barbudo e bem cabeludo na época, o que me gerou o apelido de Fiuk (filho do Fabio Jr. que estava no Big Brother Brasil daquele ano). Andávamos bem devagar, o fisioterapeuta tinha medo que eu caísse devido ao equilíbrio.

Chegamos a um corredor com um janelão imenso. Conseguia ver todo o complexo hospital. Ele me explicou por onde cheguei e onde estava. Já tinha tempo que não via nem sentia o sol. Parei por alguns minutos e fiquei contemplando tudo.

Na verdade, não estava olhando o local, mas sim refletindo sobre a vida e vendo pessoas entrarem e saírem. Não sabia se as mesmas teriam a mesma sorte que eu. O mundo estava um caos, tudo era incerto.

Dado um tempinho, ele me chamou para retornarmos ao quarto. Acatei, mas fiz um pedido: “Posso andar sozinho sem você me amparar?”. Ele respondeu: “Tem certeza?”. Brinquei com ele que se caísse o chão estava perto. Então, fomos…

Passo a passo, devagar. Vi outras enfermarias, outros profissionais que se demonstravam felizes com a minha recuperação. Chegando próximo a minha enfermaria, vi o CTI. Perguntei ao fisioterapeuta se poderia dar uma olhadinha pela janela. Ele deixou…

Era uma cena muito triste. Pessoas com ventilação mecânica pesada. Fiz uma pequena oração, pedindo a Deus por eles e seguimos para minha enfermaria. Não tenho ideia de quantos conseguiram sair com vida daquele local.

Retornamos e Seu Carlos estava de volta de seu banho e feliz com que estava vendo. Aprendi naqueles dias que pessoas, totalmente desconhecidas da gente, podem torcer por nós de maneira genuína. Era o que acontecia.

Sentei na cama, medi minha saturação e deu 94. Fiquei com medo, pois sabia que a mínima era de 95. O fisioterapeuta me explicou que estava tudo bem, que era normal uma baixa aquele momento, pois tinha feito esforço. Mandou-me tomar meu banho e que assim que eu voltasse conversaria comigo.

Tomei meu banho com a certeza imensa que era a última vez que tomava banho naquele local. Lavei meus cabelos, deixei a água cair um pouquinho (um ato que dou valor até hoje), me arrumei e voltei ao encontro da técnica de enfermagem.

Ao retornar para minha enfermaria, o fisioterapeuta veio conversar e disse: “Demorou, hein! As vamos ao que interessa. Por mim, você está de alta hoje. Você conseguiu realizar todos os testes e manteve a saturação dentro dos limites. Vou pedir a médicas para passar aqui para fazer a avaliação dela e, se possível, te liberar”.

A felicidade tomou conta de mim, agradeci a ele por ter sido fundamental desde o início de todo o processo. Ele sorriu e desejou boa sorte. Seu Carlos me felicitou. A técnica entrou falando que ficou sabendo da boa nova, mas que eu ainda almoçaria ali. Sentei, não estava mais ligado ao aparelho, somente com o oxímetro.

Aquela manhã estava bem agitada, profissionais da prefeitura estavam olhando o local para o aumento de leitos. Um deles veio conversar com a gente. Deixei claro que o trabalho dos profissionais do hospital era praticamente perfeito, que deveriam ser valorizados e se caso o número de leitos aumentasse, o número de profissionais também deveria, se não seria uma sobrecarga para aqueles que ali estavam.

A conversa durou cerca de 30 minutos até a médica chegou. A pessoa se retirou e agradeceu o feedback dado. A médica ouviu meus pulmões, disse que estavam limpos, que minhas taxas estavam ótimas e que poderia ter alta. Recomendou-me almoçar, pois iria fazer todas as tratativas de alta e pedir alguém de casa para vir me buscar.

Ela saiu e veio a chefe de enfermagem só perguntar se tudo estava bem, mas como seu Carlos dizia: “Quem entra aqui não sai tão rápido. O garoto gosta de uma conversa”. Gostava mesmo. Deve ser o mal da minha profissão. Sei que falo muito, mas se fazia necessário.

Elogiei todos os profissionais que ficaram conosco até aquele momento, que além de profissionais tratavam a gente com humanidade. Ela contou como estavam sendo para todos eles trabalharem naquele momento tão conturbado.

O almoço chegou. Fizemos a refeição, estava muito feliz com tudo. Minhas roupas também vieram, o que significava que já tinha gente para me buscar. O ir embora já estava bem perto.

Terminei meu almoço, me arrumei e fui em direção a cama de seu Carlos. Agradeci a ele por tudo, disse que ia adicioná-lo nas redes sociais. Desejei pronta recuperação a ele e que tudo daria certo.

O maqueiro, que sempre perguntava por mim, chegou e disse, sorrindo: “Não te disse que te lavaria embora!”. Sorri. Pensei que fosse embora andando, mas ele estava com uma cadeira de rodas. Subi e ele foi me empurrando.

Parei para conversar com a médica e pegar minhas receitas e atestado. Ela disse que eu já não estava mais com a doença e que aos poucos poderia voltar a vida normal. Conforme ia avançando, todos iam dando parabéns e desejando sucesso.

Fomos descendo e chegamos a um corredor, parecia um túnel, que no final era a saída, ou seja, a famosa luz. Mas era a luz da vida, da vitória e da continuação. Tive a oportunidade, dada por Deus, de continuar, de rever meus amigos e familiares, de voltar a fazer o que mais gostava.

Antes de chegar na saída, me darem umas bolas e uma plaquinha, onde estava escrito “Venci a Covid”. Fomos. Confesso que esperava a presença de algumas pessoas, mas como dizem: “o importante não é a quantidade e sim a qualidade”. Neste caso, a vontade de te ver bem ou realmente quem se importa contigo.

Saí…

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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