Resultados Humanos

Os Resultados da vitória sobre as drogas e o abandono

O que realmente podemos afirmar que possuímos, de verdade?

 

Ei, você que está passeando nessas linhas. Como, ou onde, você está agora? Está sentado em seu sofá, deitado na sua cama ou esticado em sua rede? Ou será que está em seu escritório ou no seu trabalho? Talvez no seu carro ou na varanda da sua casa? Está acompanhado da sua família?

Quando decido destacar com negrito itálico os pronomes possessivos do parágrafo anterior,  pretendo enfatizar ou relembrar para o leitor o privilégio que uma certa parcela da humanidade possui, e às vezes, nem se dá conta: Ter, ou possuir, algum bem material ou algum lugar para chamar de seu ou sua. Com essa introdução, prossigo dizendo que a dádiva da vida que cada ser humano usufrui traz consigo o bônus inexorável da imprevisibilidade: Num momento você possui algo. Em outro, você pode ser ou estar desprovido de tudo.

E não é somente de bens materiais que estou falando. A perda de bens, na verdade e na maioria das vezes, é uma consequência da perda de virtudes e valores muito maiores e fundamentais: A sanidade mental e emocional, a saúde física, a reputação, o discernimento, a paciência… a dignidade.

Sim! Perder a dignidade faz perder a esperança, a coragem e a força para lutar, para construir, para projetar, para realizar…

E muitas vezes, não é uma questão de simplesmente perder essas coisas tão valiosas. Muitas e muitas vezes elas são roubadas. Roubadas pelos vícios, pela falta de amor, pela exclusão, pelo preconceito…

E o Resultado humano de tal tragédia tem seu reflexo de muitas formas na nossa sociedade. Uma dessas formas fica claramente evidenciada com um simples olhar atencioso e empático de quem parar para observar o cenário urbano comum numa cidade qualquer: A população de Rua. Os “moradores de Rua”.

Por muitas razões, por muitas perdas, por muitos motivos e por muitas desventuras, a dignidade humana é posta a prova covardemente por uma situação social que simplesmente insiste em não ter fim. Viver nas ruas é subviver, não é sobreviver. A selva de pedra e concreto é injusta e perversa. E não importa em qual lado, ou qual situação social o ser humano que ali habita está – morador de ruas ou morador de casas – Todos são atacados. Todos são indefesos.

Mas num mar de temporais, são os que moram nas ruas, ou seja, são os que só possuem as estrelas como teto, que tão somente encontram como abrigo as marquises espalhadas no mar de concreto armado para se protegerem das enxurradas de dor e intempéries diários.

E foi debaixo de uma delas que se encontrara, anos atrás, o personagem principal de nossa coluna nesta edição: “Um homem  que sonha”, conforme se autodescreveu – com honra e mérito para isso, claro. O escritor que publicou dois livros que levam o leitor a conhecer um mundo numa viagem antagônica profunda de escuridão e luz sobre a qual somente quem enfrentou as moradas nas ruas pode descrever. Palestrante e conselheiro para dependentes químicos, provou na própria pele o gosto amargo de morar nas avenidas “holofoteadas” e nas curvas obscurecidas do Rio de Janeiro. E foi num “clique” acionado por um momento de violência contra sua própria dignidade que ainda lhe apossava, que surgiu a reviravolta que culminou na sua liberdade. Provocado por um momento de muita dor, assumiu as rédeas da própria vida e deu a volta por cima: Vamos conhecer os Resultados Humanos do Escritor Leo Motta!

 

Entrevista com o escritor Léo Motta

 

Coluna Resultados Humanos: Você sentiu na pele o drama de ser um morador de rua. Qual é o principal sentimento que passava na sua mente e no seu coração logo nos primeiros dias em que você se encontrou naquela situação e quais outros sentimentos foram lhe dominando com o passar do tempo?

Leo Motta: Nos primeiros dias a ficha não cai, porque até pouco tempo eu ainda tinha um endereço para voltar, foram anos até de fato ter os vínculos rompidos com a família e a sociedade, com o passar do tempo tendo a solidão como companhia as coisas vão mudando, o preconceito e a exclusão vão mostrando que de fato eu estava cada vez mais longe da sociedade, vivendo em uma depressão profunda. Tem a tristeza como o sentimento principal. Não nasci ali, mas cheguei ali e recomeçar a vida estando em uma calçada é muito mais desafiador.

Coluna Resultados Humanos: Mas o que acontece com a mente de uma pessoa, que, como você disse, não tinha nascido na rua, mas acaba rompendo os vínculos com a família, o seu próprio teto e decide ir para a rua? No meio desse processo, não acontece de receber ajuda para não chegar a esse ponto de ir para a rua?

Leo Motta: A chegada a situação de rua é um processo, por muitas vezes,minha família e pessoas próximas fizeram de tudo por mim. Mas movido pela obsessão das drogas, não consegui enxergar a derrota que eu vivia , muitos vínculos rompidos, quebra de confiança entre outras coisas. Ir de fato pra rua, foi uma decisão que partiu de mim, depois que tive uma overdose frente a minha mãe, sem esperança de um dia conseguir para de usar eu fui, viver nas calçadas para que ele não me ver mas naquelas condições.

Coluna Resultados Humanos: Você conversava com outros moradores de rua? Os sentimentos deles eram semelhantes aos seus ou você percebia muitas diferenças no modo de olhar a situação em que vocês viviam?

Leo Motta: São 11 perfis em situação de rua e cada um carrega sentimentos únicos, alguns já se entregaram a situação e já não mais acreditam e muito menos se movimentam para mudar a realidade, já outros com pouco tempo de rua como eu ainda com esperança de mudança, até em alguns momentos se identificava com os meus sentimentos. O meu perfil em situação de rua, além de ser um perfil dominante que é de dependentes químicos, ainda estava ali a pouco tempo, então ainda tinha esperança de saída. Apesar de tempo de rua não significar muita coisa, pois todos sofrem o mesmo preconceito e vive a mesma exclusão.

Coluna Resultados Humanos: Mas existem, entre esses 11 perfis que você citou os que, mesmo recebendo uma oportunidade de sair da rua, acaba decidindo por continuar? E se existir esse tipo de situação, o que faria uma pessoa que tem a oportunidade de sair da rua decidir por continuar nela?

Leo Motta: Assim como a chegada na rua é um caminho que para muitos levou um tempo para chegar, a saída também para muitos leva tempo. Cada um carrega os seus vazios e questões pessoais e muitos já passaram por diversas perdas, confiar em algo novo e desconhecido que é a possibilidade de mudança de vida, não é nada fácil. Tem que se haver muita construção de confiança, para que a pessoa que tudo na vida já perdeu, acreditar que um dia algo possa conquistar. É triste, porém real, já existe perfis que por vontade própria, não vão deixar as ruas.

Coluna Resultados Humanos: Qual foi o momento em que você percebeu que poderia – ou deveria – fazer algo concreto para sair daquela situação?

Leo Motta: O meu maior passo para deixar aquela situação, foi aceitar ser ajudado. De nada adiantava pessoas quererem me ajudar e eu não aceitar ser ajudado, e esse passo surgiu através de uma grande violência que sofri mas ruas. No início já havia sofrido uma violência por fome, entrei em uma padaria, pedi uma senhora para me pagar um pão e ela simplesmente se virou e cuspiu no meu rosto e se retirou, mas a maior violência que sofri nas ruas, foi por conta da sede. Rio de janeiro, cidade de sensação térmica no verão de 50 graus aonde não se tem acesso a água… e a sede me fez entrar em um restaurante e pedir um copo d’água e receber um copo com água, gelo e sal, seguido de uma ameaça. Através dessa violência eu passei a perceber que de fato eu precisava aceitar ajuda. Não nasci ali, não cresci ali e não precisava aceitar morrer ali.

 

“O meu maior passo para deixar aquela situação, foi aceitar ser ajudado. De nada adiantava pessoas quererem me ajudar e eu não aceitar ser ajudado…” – Leo Motta.

 

Coluna Resultados Humanos: Se você pudesse reencontrar essas pessoas, que mensagem teria para elas hoje? E que mensagens você passaria para os que agem assim para com os moradores de rua, quando solicitam esse tipo de ajuda que você na época solicitou?

Leo Motta:  A mensagem é uma só: Acredita!  O acreditar no outro é o que leva a construção dos resultados.Tanto para quem ali nas calçadas sofre, tanto para os que vão ofertar ajuda. Aonde na verdade acontece uma verdadeira troca. Alguém que oferece ajuda e a torcida, para que o outro aceite ser ajudado.

Coluna Resultados Humanos: Qual foi, então a razão principal para você não permitir que a sua situação de rua permanecesse?

Leo Motta: Ao aceitar ajuda, fui até a uma instituição e ali pessoas que nunca haviam me visto, me deram um abraço, antes mesmo de perguntar o meu nome, o que me fez ficar, o amor me mostrou que sim, eu poderia de fato deixar aquela situação e dar a volta por cima.

Coluna Resultados Humanos: Na sua opinião, você diria que então a falta de Amor no círculo familiar, ou a desestrutura daz famílias, seria o fator principal para que cada vez mais as ruas se encham de moradores abandonados ou seria a situação da própria pessoa que acaba por não aceitar ajuda da família acaba por não aceitar ajuda antes mesmo de ir para a situação de rua?

Leo Motta: Existem casos e casos. Mas por muitas vezes a situação da pessoa a leva as ruas. Existe esses dados oficiais, mostrados no último censo da população de rua no Rio de janeiro, que apresenta 7.865 pessoas vivendo em situação de rua no município e que pouco mais de 50 por cento dos entrevistados, alegaram que o motivo principal por estar em situação de rua, é o conflito familiar. Um dos exemplos é a minha própria trajetória, que tive uma vida com amor da família e a todo momento mãos estendidas, mas que chegou um momento que ficou insustentável.

Coluna Resultados Humanos: Agora a pergunta “de praxe” da nossa coluna: Quais foram os Resultados Humanos dessa Experiência em sua vida e na vida de outras pessoas?

Leo Motta: O principal resultado é que ao deixar a situação de rua eu criei comigo mesmo um compromisso de dividir com os outros o que é aquela realidade. Tenho agora o projeto “Poesia que liberta”, meu projeto cultural, aonde me reúno com mulheres em situação de rua e ali juntos criamos poesias que já apresentamos no nosso primeiro sarau, junto tenho uma geladeira de livros aonde todas tem acesso. E um projeto de extrema importância, que é o “falas da rua –  histórias”, uma página no Instagram aonde compartilho as entrevistas que faço com quem sobrevive nas ruas do Rio. Então, hoje eu, que um dia senti na pele a dor, mostro a realidade das ruas para quem não conhece. E para quem conhece essa triste realidade, tento mostrar uma porta de saída, deixar claro que sozinho ninguém consegue sair dessa situação. O mais profundo da minha história, você encontra nos livros: “Há vida depois das marquises” e “Há vida depois das marquises – sonhos”. Também no documentário: Há vida depois das marquises, disponível no YouTube e  nos clipes : Marquises (clipe oficial) e INDIGENTE, disponíveis também no YouTube. E você que conhece alguma mulher em situação de rua e em vulnerabilidade, existe o projeto que sou embaixador, projeto “Menina moça mulher”, na avenida Mem de Sá 254 – Centro. Ali são ofertados diversos serviços de saúde e capacitação de acesso a renda. Enfim, conheci a cultura e passei a usar como a minha principal ferramenta para isso, hoje tenho dois livros publicados, um deles foi destaque da Bienal internacional do livro 2019. Além de três projetos sociais, voltados a pessoas em situação de rua. A rua é casa de muitos. Não deveria ser de ninguém.  (Fim da entrevista)

 

Para quais Resultados você está direcionando a sua vida?

 

O relato do Leo, me chamou atenção por dois pontos: Primeiro, pela transformação provocada pelo sentimento de indignação virtuosa – o que o levou a mudar sua maneira de pensar e lidar com sua situação e, segundo, pela sua disposição de aceitar ajuda. Nesse link, você acessa um texto onde abordo liricamente como e em quais circunstâncias é possível ajudar alguém a sair de um buraco. O nosso entrevistado certamente apresentou a humildade necessária para sair de um poço profundo e os resultados ficaram evidentes.

Não importa a situação que estivermos hoje, do ponto de vista social, mental, profissional ou espiritual: Estamos sob constante ataque de um sistema que fará de tudo para apropriar-se do que possuamos de maior valor. E mesmo que não sejamos atacados, o próprio tempo transcorrido faz o trabalho de desgastar as coisas materiais e imateriais. Portanto, fique atento para valorizar o que você já possui e preservar as coisas que realmente tem valor. Se você caiu, se você errou, se você fraquejou, aceite ajuda para se tornar uma pessoa melhor, reparar seus erros e ficar mais forte. Lembremos sempre: Há vida depois das marquises.

 

Ao ser perguntado “quem é Leo Motta?” O escritor, que um dia encontrou nas marquises um abrigo contra o temporal que sofria, simplesmente disse: Um homem que sonha. E acrescentou: “Sou do Rio de Janeiro, casado com uma Maranhense, pai de 4 filhos”. E concluiu, com um tom brando e firme de alguém que venceu: “…4 filhos que hoje não sentem vergonha de mim… e sou muito feliz. ”

 

 

 

 

 

 

Créditos das imagens: Fotos autorais do acervo pessoal do autor, cedidas gentilmente para publicação neste artigo.

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Altamir Lopes

- Graduado em Gestão de Negócios, MBA em Gestão de Recursos Humanos, Orientador Educacional e de Carreira, Licenciando em Pedagogia e Pós-graduando em Neuropsicopedagogia. - Desenhista, formado pelo SENAC RJ. - Terapeuta Integrativo, Formado em Reflexoterapia, Quiropraxia e outras técnicas holísticas. - Palestrante, Instrutor de cursos gerenciais e Técnicos. - Mas acima de tudo, um servo do Deus vivente Jeová, Pai, marido e ser humano reflexivo. Na coluna que leva o meu nome, vamos nos encontrar para refletir sobre a arte da gestão de pessoas e relacionamentos. Nos meus textos, pretendo levantar questões e reflexões sobre a sociedade humana e seus meandros paradoxais e especialmente, a relação que cada um tem consigo mesmo por meio de textos em verso, prosa, crônicas, contos etc. E também publicarei na coluna RH - Resultados Humanos, artigos que tratam dos Resultados da ação Humana na História. Entrevistas com pessoas que fizeram acontecer e reflexões profundas também farão parte dessa coluna. De vez em quando, em quaisquer dessas colunas, vou publicar uma charge ou caricatura autoral...Espero que gostem.

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