O OUTRO LADO
Eu estava preocupada com o horário, o trânsito estava pesado. Muitos carros nas ruas do grande Centro. Os sons se aglomeravam entre pessoas e buzinas. De repente uma sirene, não era de ambulância e sim de uma viatura da polícia, com homens armados. Causou-me um mal-estar.
O motorista, do carro por aplicativo, me chamou à atenção para olhar a correria de vários pivetes em direção a praça. Eram muitos, visivelmente drogados e tão jovens!
-É uma pena…- lamentei baixinho.
– Pena?! A polícia deveria matar todo mundo, senhora.
Por um instante iniciei um argumento acerca da necessidade de escolas públicas com tempo integral com Esporte, Arte, Música, enfim todas formas de Cultura. Porém, desisti do assunto porque, com ele, seria um debate inútil.
Em um outro bairro adiante, vimos um transporte de uma ONG, naquele exato momento, resgatando alguns moradores de rua. O que chamou minha atenção foi uma mulher entre eles que correu. Ela não parecia uma viciada. Fiquei atenta à correria, um dos agentes correu atrás. Outros gritavam para deixar pra lá. Uns idosos, na praça, concordaram usando palavras depreciativas sobre a mulher que ainda corria pelo outro lado da praça.
Para a surpresa de todos ela retirou de trás de uma árvore uma boneca, enrolada em um pano muito sujo, carregou no colo como se fosse um bebê. Essa mulher chorava ninando o brinquedo. Estudantes filmavam com os celulares.
Ela gritou pedindo que o transporte esperasse por ela. Caminhou lentamente para van e voluntariamente entrou agarrada ao boneco. Um grande silêncio tomou conta daquele espaço por instantes.
Eu fiquei tão emocionada que não li o nome da Instituição. Percebi também que o motorista teve seu momento de reflexão. Momentos depois saí do automóvel com a certeza de que aquele homem obteve um outro olhar.
Ivone Rosa
@profaivonerosa
fevereiro/2024
https://pixabay.com/pt/photos/pedestres-pessoas-ocupado-movimento-400811/