João Rodrigues

Bloco do Cebola – Inconfundivelmente reriutabense

Há quem não goste de carnaval e democracia, mas esse alguém não sou eu.

Mais democrático do que o Bloco do Cebola não existe por aqui. É o mais querido também. A prova disso é que centenas de foliões aguardam ansiosamente os domingos e as terças-feiras de carnaval para extravasarem toda a sua alegria e paixão pelo Bloco mais animado de Reriutaba. E durante esses dois dias, a Chave da Cidade fica “entregue” nas mãos de Seu João Cebola – o fundador do Bloco.

Sem carros alegóricos, trios elétricos nem estrelas midiáticas, o povo se diverte ao ritmo de cantores da cidade ou carros de som, e aquele que não consegue uma camisa do bloco, fantasia-se à sua maneira. Munidos de maisena, goma, spray, ovos e Ki-suco, a multidão se diverte à vontade com quem passa por ali. Todo mundo já sabe, foi pro Cebola, não pode reclamar de nada. Alguns levam detergente, manteiga e mais o que imaginar, porém esses ingredientes não são muito bem-vindos e acabam sendo confiscados pelos seguranças do evento. Inicia por volta das 3 da tarde e se estende até às 6 ou 7 da noite, quando a multidão sai desfilando pelas ruas até chegar ao Centro, seu ponto final.

A festa começa exatamente onde nasceu – na Vila Nova, bairro tradicional da cidade e onde, há mais de sessenta anos, mora a figura mais conhecida dali, Seu João Cebola. Foi ele também que mudou o nome do lugar para Vila Nova, antes se chamava Corguinho. Nos dias em que seu Bloco é a estrela do carnaval reriutabense, Seu João, apesar de seus mais de 80 anos, não deixa de dar o ar da graça, para a alegria dos foliões, que, é claro, o admiram e agradecem pelo maior patrimônio cultural e imaterial de nosso município.

Quando o Bloco nasceu – por volta de 1968/69 –, muita gente ficou insatisfeita com o Carnaval do Cebola, mas ele não deu ouvidos, botou o bloco na rua e quem quisesse que se danasse. Acostumado a sofrer e superar todo tipo de preconceito por parte da sociedade tradicionalista da época, Seu João não ia deixar de criar seu próprio carnaval, uma vez que, por ser negro e não fazer parte da elite reriutabense (como ele mesmo diz), não era bem-vindo ao clássico carnaval do Reriutaba Clube, assim como muitos outros foliões de seu nível. Ainda bem que ele comprou a briga!

Tudo começou muito diferente de hoje. Os atuais foliões usam uma camiseta padronizada, doada por patrocinadores culturais ou políticos. Naquela época, os adultos se vestiam com sacos de estopa e surrão, e as crianças se fantasiavam com sacos de cebola – mas não é daí que vem o nome do Bloco. João Lopes Soares virou o popular João Cebola porque a mãe dele plantava cebola e ele vendia a produção da mãe pelas ruas e na feira.

Nos primórdios do Carnaval do Cebola, em vez de carros de som arrastando a multidão pelas ruas da cidade, um jumento carregava duas amplificadoras de som, uma pessoa levava uma enorme bateria de caminhão, que alimentava as amplificadoras, e os cantores iam a pé, tocando violão, cavaquinho, pistom, sanfona e pandeiro, e a multidão, é claro, atrás, fazendo a festa.

Houve um ano em que cavaleiros iam à frente da banda, mas não fez muito sucesso, pois os cavalos sujavam muito as ruas, o que acabou gerando algumas críticas. No ano seguinte, a cavalaria foi extinta.

Hoje, graças a esse pisciano – que, segundo o Zodíaco, traz o dom de sonhar soluções para o que as pessoas acham impossíveis, Reriutaba tem o Bloco mais famoso e divertido da região. E até inspirou admiradores: em 2018, o artista reriutabenses Leomário Muniz criou o Bloco do Cebolinha, para a alegria da criançada.

Seu João também é muito compassivo – outra característica muito peculiar de quem é desse signo. Por ser assim, nunca desistiu de seus sonhos e conseguiu transformar o bairro que escolheu para viver em um lugar bem melhor do que era. Graças a ele, o Bloco do Cebola, fincado no coração da Vila Nova, é destaque consagrado na agenda cultural da região durante o período carnavalesco.

E pensar que muita gente não gostou da ideia de Seu João… Mas é como diz o poeta mossoroense Antônio Francisco: “Quando a boca do povo diz: ‘Eu quero!’, a caneta do tempo assina embaixo.”

E viva o Bloco do Cebola!

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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