João Rodrigues

As venturas e desventuras de um sonhador – Parte I

Nasci e cresci numa área, naquela época, escassa de quase tudo. Tudo era difícil: o pão, a água, a escola, os livros, o conhecimento e, principalmente, a boa vontade política. Mas, ao mesmo tempo que faltava tudo isso, me sobrava vontade. Sim, aquela vontade pulsante de quem nada tem.

Estudar não foi nada fácil, como nada era fácil por aqui. No meio do caminho surgiram várias pedras; havia várias pedras no meio do caminho – parafraseando Drummond. Aquelas pedras até me interromperam, no entanto não me fizeram desistir. Não eram aquelas pedrinhas que iriam derramar meu mugunzá.

Eu tinha sede. Sede de saber. E isso era tudo do que eu precisava para mudar a trajetória de minha árdua vida naquele chão árido de tudo. Ah, vontade, isso não me faltava. Mesmo andando a pé por seis quilômetros para poder estudar – e olha que eu tinha uns 11 ou 12 anos –, não me faltava desejo de aprender.

Eu percorria esse trajeto muitas vezes sozinho. Ia com medo, mas ia. Pelo caminho havia algumas pedrinhas – literalmente, barrocas, às vezes lama, outras vezes poeira, sede, cansaço e algumas doses de medo. Eu era apenas uma criança. Porém, a vontade de vencer era tão grande que esses seis quilômetros às vezes pareciam apenas um. Em outros momentos, o cansaço era tão grande que a distância parecia triplicar.

Durante essa caminhada para a escola, eu ia acompanhado de sonhos, muitos sonhos. Não apenas sonhos de menino, mas de gente grande mesmo. No sertão daquele tempo, meninos, pela força da necessidade, “cresciam” rápido. Não podiam esperar a criancice passar como a das crianças que podem ser crianças. Adolescência? Conheci essa palavra já muito tempo depois de adulto.

E lá ia eu e meus sonhos conversando estrada afora. Vez e outra o desânimo nos perseguia, mas logo ficava para trás. Tantos “eus” foram sonhados naquelas estradas às vezes lamacentas, às vezes empoeiradas. E hoje, olhando pelo retrovisor do tempo, vejo aquele menino franzino, com o estômago quase sempre roncando, carregando nos livros e cadernos a esperança e a fé daqueles que nada têm além da vontade de vencer.

Obs: No próximo sábado, terá a parte II.

Direitos de imagem: https://pixabay.com/pt/photos/filho-ver%C3%A3o-escola-menino-infantil-3267812/

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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