Ivone Rosa

PRECONCEITO ANIMAL

 

Ninguém sabe afirmar com precisão em que época o morador chegou ao condomínio junto ao seu bichinho de estimação, o principal motivo de confusão. Os moradores não conheciam o proprietário, e ele não fazia a menor questão de manter alguma política de boa vizinhança. Entrava e saía calado em seu carro de vidro fumê. Não participava das reuniões do prédio, tampouco da eleição para a escolha da nova síndica. Parecia ser um homem muito ocupado.

Realizaram uma reunião exclusiva. Com a nova gestão, de uma senhora ativista do “politicamente correto”, os condôminos ficaram bem a vontade de fazer todas as reclamações possíveis e imaginárias acerca do animal. Disseram que ele gritava, repetia palavras de calão e o pior de tudo: o acusavam de racismo.

– Como um papagaio pode ser racista? – indagou a síndica incrédula.

– É verdade! Ele fala assim: “chegou o negão!” “Preto safado!” – falou uma senhorinha imitando a voz do papagaio.

Gargalhada geral. Ofendida por causa das risadas a idosa contestou:

– É isso mesmo! Ele além de racista ainda fala palavrões horríveis que nem tenho coragem de repetir! – abaixou a cabeça e riu baixinho.

– Não é um bom exemplo para as nossas crianças! Elas não devem ficar ouvindo essas coisas. –reiterou um jovem senhor de mãos dadas com uma garotinha.

– Eu gosto dele papai, é tão bonitinho! – disse a menina.

O homem levou o dedo indicador a boca, pedindo silêncio à filha.

– Aqui é um conjunto residencial de pessoas de bem! Não está correto isso! – gritou um idoso de fala rouca.

Muitos concordaram e vozes se misturavam, provocando um barulho tão alto que de repente:

– Calma plateia! Ahahahaha – gargalhou o papagaio

– Está vendo só? Essa é a perfeita prova! – disse a velhinha com tom de indignação apontando para o alto do prédio. – Chamei a polícia! Já está a caminho.

Logo a seguir chegou uma viatura com sirene em alto volume.

A síndica acompanhou os policiais à porta do morador. A empregada os atendeu com um olhar de espanto. A ave gritou:

– Chegou a polícia! Chegou a polícia!

Todos ficaram surpresos e os policiais se entreolharam desconfiados. Deram ordem de prisão ao dono e como ele não estava, levaram o bichinho que gritava sem parar por socorro.

– Mas os senhores não podem prender o Otelo. – falou a empregada com voz de choro e dó do papagaio.

Alguns discordaram, com o tumulto também foram levados.

Horas mais tarde na delegacia; um homem preto, alto, forte e muito simpático apresentou toda a documentação do papagaio e explicou que era uma herança do pai, ator famoso, que treinava as falas teatrais ao lado papagaio. Assim que exibiu a fotografia do pai, todos os presentes pediram uma selfie com o artista, papagaio Otelo.

Ivone Rosa

Instagram: @profaivonerosa

https://pixabay.com/pt/photos/garota-rosto-colorido-cores-2696947/

novembro 2023

 

 

 

 

Mostrar mais

Ivone Rosa

Professora de Literatura & Produção Textual Pós- Graduada em Gestão Educacional Roteirista formada pela Academia Internacional de Cinema-AIC/RJ Poetisa, cronista e contista 1º lugar - melhor intérprete Concurso Poesia SESC Niterói/RJ Menção Honrosa -Concurso Poesia -Duque de Caxias /RJ Participações: Antologia Diário da Poesia, Biografia Jornalista Jota Sobrinho, Diário em Poemas, Almas em prosa e verso, Coletânea Diários Escritos. Participações nos Fanzines: Poezine[Lit.na Varanda] e SerMentes - Sec.Educ.Niterói/RJ Palestrante Escola Pública sobre a Resistência da Mulher

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo