Manhã de domingo, aproveitei para fazer uma caminhada no Aterro do Flamengo. Durante meu trajeto, observei uma senhora vestida com simplicidade, mas com moletom de grife. Ela estava de mãos dadas com uma criança de, aproximadamente, seis anos.
Sorria com meiguice diante às perguntas do menino. Uma pessoa conhecida, de onde? Olhei fixamente para o rosto dela. Sim, eu a conhecia de algum lugar… rosto quadrado, cabelos curtos grisalhos, alta, magra, pele clara e muitas rugas, tantas que pareciam precoces; dissonantes ao corpo esguio.
Um rapaz desceu de um carro importado, acenou para ela que novamente sorriu. Ele a beijou no rosto e pegou o filho no colo. Parei para apreciar aquela linda família, quando de repente ouvimos uma forte buzina seguida de um som oco. Um cachorro vira lata acabara de ser atropelado, agonizava no meio do asfalto.
Subitamente ela atravessou a rua desviando dos carros, arriscando a vida e tomou o pobre animal nos braços, manchando de sangue a própria roupa. Com a voz de choro, falou com o filho da urgência de levá-lo a um hospital veterinário. Assim que eu ouvi a sua voz confirmei: era a ex-ministra. Era forte, imponente, foi a criadora do tal Plano que levou várias pessoas ao desespero. Causando infartos, suicídio e depressão.
Ali e naquele momento, completamente sensível, extremamente abalada com a iminente morte de um cão de rua. Discutindo com filho que não queria sujar o carro. O impasse foi resolvido com um gari. O homem conferiu se o bicho estava realmente morto, não tinha coleira. Assim usou um saco preto e o atirou na caçamba móvel. Seguiu com a sua função de limpeza urbana.
Ela se recusou entrar no carro, sentou-se na grama e chorou copiosamente.
Voltei a caminhar pensando acerca daquele choro. Seria remorso?
Ivone Rosa
@profaivonerosa
ref. imagem:https://pixabay.com/pt/photos/p%C3%A3o-de-a%C3%A7%C3%BAcar-aterro-do-flamengo-498880/
