Valdeci Santana

A casa que habito

A casa que habito.

Finalmente compreendi que havia chegado o momento de promover uma faxina em minha casa. Por incontáveis anos eu limpei a superfície daquele solo, esfregando com dedicado esmero, as nódoas que incomodavam os olhos, mas, nunca fui além da superficialidade.

Sempre procurei deixar a casa limpa para satisfazer as visitas, sem me importar se estaria do meu agrado, pois, eu gostava do meu quadro torto, pendido na minha parede. Fazia-me lembrar de que pisar fora da linha estabelecida pela sociedade às vezes é bom, mas, curiosamente, mesmo gostando, eu sempre endireitava aquele quadro, temendo que aquele desalinho incomodasse alguém.

Minha primeira atitude foi repintar as velhas paredes. A tinta trouxe alegria ao ambiente, mas, não era o suficiente, pois, eu buscava mais do que uma simples maquilagem que enganasse os olhos. E por esta razão, eu demoli todas as paredes.

As paredes me protegiam da fúria do vento, é fato, mas, também impediam que o frescor da brisa mansa inundasse minha casa. Protegiam-me das pessoas que pudesse me causar mal, fato. Mas, a vida é correr riscos.

Demoli também o teto. Não preciso mais dele! É fato que ele era necessário em dias de chuva, mas, não chove todos os dias e, pensando bem, que mal há em alguns pingos de chuva? O teto me protegia da intensidade dos raios solares, mas, o sol não é pleno, a noite sempre chega, trazendo as estrelas brilhantes que o teto me impedia de ver. Agora consigo ver os pássaros livre na imensidão.

Não tirei o pó dos meus luxuosos móveis. Eu os queimei. Não preciso mais do luxo. Ele acomodava minha preguiça em viver, ao passo que me aprisionava num mundo irreal.

Retirei as plantas solitárias dos vasos e as plantei no meu quintal. Agora tenho pretexto para ajoelhar-me na terra e cultivar minha planta. Quem sabe um dia eu descanse debaixo de sua sombra. E então, será uma sombra especialmente minha, pois, eu a cultivei.

Fui separando o que era essencial das coisas que me afastavam do essencial. E no fim, poucos itens me restaram. Algumas fotografias, que são momentos eternizados. Pedaços de minha vida. Um espelho, para refletir quem eu realmente sou. Também me restaram as pessoas que eu amo. E de repente, as coisas das quais me desgarrei me pareceram tão inúteis, tão fúteis que não entendo a razão pela qual não as joguei fora antes.

Agora não tenho quadro torto nas paredes e tampouco me importo com as cores, com as quais devo pintá-las, pois, simplesmente não tenho mais paredes. Também não me sinto abafado pelo teto, pois não possuo mais tetos Curiosamente, minha casa não ficou vazia, pelo contrário, as coisas essenciais, que outrora ficavam espremidas, preencheram todo o espaço. Compreendi que não perdi absolutamente nada, pelo contrário. Antes eu tinha uma casa, agora tenho o universo. E finalmente me senti livre, desprendido das futilidades. Foi a melhor e mais valiosa faxina que promovi em minha alma, que carinhosamente chamei de casa, pois, minha alma é a casa que habito.

Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/sala-vazia-com-cortinas-fechadas-803908/

 

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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