Michelle Carvalho

Hoje Pode!

 

 

Quem disse que pode?

Quem é o dono da verdade ?

A boca que estipula o dia e o que você pode comer

É a mesma que te xinga, te maltrata.

O dedo que indica o melhor para sua saúde

É o mesmo que te aponta como não aceito por seu corpo.

O olhar que te julga, a boca que denomina, o dedo que maldiz

Tudo pela acobertada ideia do bem

Mas que se recheia e transborda de um molde inventado

Que sucumbimos por nunca nos enquadrar…

(Michelle Carvalho)

 

Recentemente vi uma propaganda em que uma mulher linda e magra se deliciava com um bolo de chocolate cheio de cobertura e com um recheio avantajado.

A legenda da imagem era: HOJE PODE!

O dia da semana? Uma sexta-feira!

Aquela imagem era meramente uma propaganda de uma confeitaria e poderia passar batido por qualquer pessoa, na verdade, estimulando o consumo do produto, afinal, “HOJE PODE!” e deixamos de lado a culpa de comer algo.

CULPA? QUE CULPA? Quem nos impõe essa culpa? Já parou para observar isso?

Por que a sociedade impõe quando eu posso ou não posso comer algo?

Poder ou não poder algo está vinculado a um processo de punição, culpa…

Quando crianças nossos pais nos diziam muitas coisas para nos educar, para discernirmos nossos atos, tais como: “Não pode jogar coisas no chão”, “Não pode bater no coleguinha”, “Não pode colocar o dedo na tomada ou escalar a TV”… Essas e tantas outras coisas, caso sejam descumpridas, nos fazem sofrer punições, pois somos culpados por atos realizados.

Depois que crescemos, constatamos que a sociedade é regida por leis nas quais vemos nossos direitos, deveres e temos um rol de coisas que não podemos fazer. Caso façamos, seremos punidos, multados, presos, etc.

Diferentemente das leis que regem a sociedade, por que a comida é um tabu com imposições, olhares e frases condenadoras sobre quando se pode ou não pode comer algo?

Lógico que neste ângulo não estamos falando no tocante a pessoas que devem abster-se de alguns tipos de alimentos devido a alguma imposição médica, restrição alimentar por doença crônica ou algo do tipo, mas sim, pelo simples fatos de a sociedade sentir-se “dona” de julgamentos sobre quem e quando se pode ou não comer algo.

Estamparem em uma propaganda uma mulher magra indicando quando se pode comer algo está nitidamente ligado a uma sociedade que escraviza pessoas que não se enquadram nos padrões impostos, atuando no “medo” de não estar ou se enquadrar em tais padrões. Assim “estipulam” o dia e a liberdade? O que é aceitável ou não?

E se tivermos vontade de comer em um dia diverso do “dia que pode”?

“Ah, mas se comer outro dia vai ficar gorda!”

Na verdade somos julgados até mesmo se comermos no “dia que pode” porque dependendo do nosso estereótipo, peso, circunferência abdominal e até mesmo sexo, não somos poupados de ouvir: “Por isso que está gordo(a)! Nunca vai emagrecer comendo isso!”

Essas frases vão sendo reproduzidas por uma sociedade algoz, seguem ficando incutidas em pessoas e vão passando de geração em geração, causando dores e traumas.

Uma grande desculpa para essa sociedade impiedosa, julgadora e reguladora é a ideia de “preocupação com a saúde alheia”, mas essa mesma sociedade dissemina receitas milagrosas de emagrecimentos, cultivam a bulimia, aplaudem o jejum intermitente, procedimentos cirúrgicos desnecessários e invasivos, uso de medicamentos e anabolizantes para manter o que é entendido como “belo”, “perfeito” e “aceitável”. Que preocupação com saúde é essa?

Não se trata de levantar bandeiras de que não devemos nos preocupar com a saúde, mas sim que pautemos nossas atitudes e atos pensando em nos mantermos saudáveis física e mentalmente.

Somente conseguiremos seguir saudáveis quando deslocarmos o foco que sempre foi colocado para uma sociedade aficionada em magreza independente do custo que isso traz, a qual gera doenças, mortes, depressões, dilacerações e mutilações “alimentadas” diariamente por uma ditadura inatingível.

 

Michelle Carvalho

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Fonte da imagem destacada: https://pixabay.com/pt/photos/eclair-bolo-de-morango-morangos-3366430/

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Michelle Carvalho

Biografia: Advogada, Escritora desde os 13 anos, com participação em inúmeras antologias literárias e premiações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ganhadora do Premio Baixada de Literatura em 2014. Lançou 4 livros: “Furor Letárgico da Alma” (2009), “Versos de Princesa Prometida” (2015 – na 17ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro) e “Cindy Entre Patas e Reinos” (2018) e Cindy Entre Patas e Reinos 2 (2019 – 19ª Bienal Internacional do do Livro do Rio de Janeiro) , estes dois últimos projetos de leitura na Cidade das Artes/RJ, em várias escolas nacionais e internacionais. Além de diversas participações em projetos culturais literários em escolas com palestras motivacionais, intervenções literárias e poéticas em saraus, sendo o último deles o Programão Carioca da Rede Globo no ano de 2018, Participação na FLIM e FLISGO no ano de 2019, bem como posse na ACLAM – Academia de Ciências, Letras e Artes de Magé.

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