O vendedor de pipoca

As recordações estão espalhadas por toda parte…

Por mais que os anos corram, as rugas surjam, o pincel do tempo pinte nossos cabelos e a memória não lembre mais nem da metade do que já aconteceu conosco, sempre reencontramos nossa infância, por um momento que seja. Pois quando menos esperamos, uma cena de nossa meninice pintada pelo acaso surge diante de nossos olhos, aos pulos, e logo as lembranças voltam os ponteiros do relógio do tempo décadas atrás e nos fazem mergulhar em maravilhosas lembranças – ou não.

Mas este caso que vou relatar são reminiscências gostosas, literalmente.

Que uma pontinha de nossa infância pode ser encontrada em qualquer lugar, isso é fato, mas não como em uma praça. Ah, numa pracinha não tem igual. É verdade que minha pracinha foi o terreiro lá de casa! Mas quando vemos aqueles pedacinhos de gente correndo, gritando, brincando, chorando, se escondendo, fazendo peraltices, com suas roupinhas coloridas de príncipes, princesas, super-heróis, animaizinhos, que vez ou outra tropeçam em nossas pernas e dão um sorrisinho inocente, não tem como não voltarmos ao passado. Porém como estamos sempre com a cabeça cheia com nossos problemas de adultos quase nunca nos damos conta de que já fomos assim, e nem mesmo nos damos a oportunidade de deixar que a criança que habita em nós dê o ar da graça e faça suas danações também. Pobres adultos que somos!

E foi num destes passeios que gosto de fazer à noite pela praça que uma cena me chamou a atenção. Na verdade uma vozinha.

– Moço, eu quelo uma pipoca.

Meus olhos se voltaram para o som daquela vozinha infantil. Mas não era comigo que ela estava falando – era com o vendedor de pipocas, é claro! Só então me dei conta de que havia, ao meu lado, um senhor com seu carrinho de pipocas fazendo a diversão da meninada.

O vendedor sorriu pra ela, pegou um saquinho e o encheu. O pagamento seguiu acompanhado de um doce sorriso com uma linda porteirinha, acho que para contrastar com o sal da pipoca. Um sorriso daquele já valia como pagamento!

Depois de uma imagem daquela não tinha como não fugir da saturada vida de gente grande e dar uma passadinha no jardim de infância! Foi o que fiz. Voltei o ponteiro do tempo para mais de quatro décadas atrás para sentir o cheiro da pipoca do meu tempo, que era bem diferente – tanto o tempo quanto a pipoca eram diferentes (para que não haja ambiguidade).

Não foi na praça que conheci pipoca, mas na cozinha de minha mãe, numa velha casa de taipa com a cozinha aberta e fogão a lenha. Mamãe pegava o milho, jogava no caco de torrar, que às vezes era feito de um caco grande de pote, e mexia o milho pra lá e pra cá, pra lá e pra cá… Quando chegava “no ponto”, o milho era colocado num pilão de aroeira e “pisado” (triturado) até ficar bem fininho, depois colocava rapadura e, se quisesse, misturava com farinha para aumentar um pouco e dividir com a filharada. Era bem diferente da pipoca da praça, mas era muito mais gostosa! Sem óleo, sem sal, doce como a vida das crianças daquele tempo! E ainda tinha o toque especial da mãe!

Vez ou outra compro uma pipoquinha na rua, no entanto naquela noite tive mesmo foi vontade de comer uma pipoca torrada num caco de pote “pisada” no pilão de aroeira e misturada com rapadura e farinha.

Os tempos são outros, é verdade. No entanto, muitas vezes a praticidade das coisas tiram o gosto original da vida.

Mas graças ao vendedor de pipoca, naquela noite pude voltar ao tempo e reviver, mesmo em minhas lembranças, alguns momentos de minha infância e tirar esta lição: cada um deve viver a vida que tem.

 

João Rodrigues – Reriutaba – Ceará

 

Crédito da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/pipoca-milho-cinema-gr%c3%a3os-52158/

 

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