Carina Lessa

Enquanto a casa não se organiza: o relógio do Largo da Carioca

 

Eram três imagens femininas, enquanto do alto de um prédio alguém gritava. A efervescência dos passantes refletia bem o tripé brasileiro do mundo: navegação, indústria e, porque não, o comércio. O pedestal com o relógio sinaleiro em que Malvolio detonava todos os tempos. Observou criteriosamente a âncora se contrapondo à ausência de pés, lançava, dentre as três figuras, particular janela interior para fora dos trapos que a ele serviam de vestes antigas.

Naquele largo, o que para uns passou a prestar, é morte para tantos. Não há nada que o explique, também não fez questão de existir. Emprestemo-nos algumas roupas démodés para agraciamento de um amigo distante a brigar com a vida dos tolos, a coser imaginários arranjados pelos carris monótonos do dia a dia.

Mortiçamente, o cais no Centro da cidade deixou qualquer coisa posta no homem fraco, sem velas ou moelas que o florescesse. Também não fez questão de emendar palavras no monumento histórico. Olhou para os pés, as unhas estavam encravadas, passou a mão nos cabelos, estavam empastados. Releu, releu, releu mil vezes os rostos um tanto retangulares e percebeu que esteve longe dali, não teve paciência em tomar conhecimento de nada. Pensou em procurar um lago, ver-se refletir, mas o desânimo o abateu como previdência de quem tem olhos perdizes. Esta descoberta nos vem fresca, sentimento de transição entre os continentes, mas Malvolio não percebia.

No bar da esquina, o de sempre… mas não quero explicar.

 

Imagem disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/sino-religi%c3%a3o-sonhe-velho-2105157/

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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