Renato Amaral

Conto Brotos Traquinas

Imagem: Arquivo pessoal

 

Um grupo de amigos da terceira idade que se conheceram na época da faculdade e mantiveram contato até os dias atuais se valeram da tecnologia para permanecerem conectados entre si.

Numa manhã específica, João, o marido da Betinha deu o tradicional bom dia no grupo de mensagens e logo depois emendou um longo áudio. Nesse áudio explicava que Betinha lutava em silencio há anos contra um câncer agressivo que a vinha enfraquecendo a olhos vistos. Só que durante a semana anterior o médico que a tratava, havia pedido a sua internação devido à piora do quadro e que as chances de cura haviam caído. Rapidamente às mensagens chegaram repletas de lamentos, uma atropelando a outra. Betinha, que não pretendia se manifestar sentiu-se sensibilizada com tanto afeto e respondeu aos amigos. Após horas de conversa pelo aplicativo de mensagens decidiram marcar um jantar entre todos os oito amigos do grupo, já que na manhã seguinte se apresentaria ao Hospital.

Na hora marcada se encontraram em um restaurante onde jantaram animados. Estavam os casais João e Betinha e Aston Martin e Mercedes, além dos viúvos e solteiros Paulo, Cecília, Dinah e Juju. Os amigos palestravam felizes e ninguém queria entrar no assunto da doença para não atrapalhar o momento. Até que Cecília, que havia sido da mesma turma que Betinha no curso de Letras propôs que todos saíssem dalí e fossem esticar a noite. Paulo que era viúvo ofereceu seu espaçoso Opala para levar a turma. Ficou combinado que os casais iriam no “SUV” de João e os outros no clássico Opala do Paulo. Antes de saírem, Dinah que nunca havia ido a uma boate deu a sugestão de conhecerem uma. O aceite foi unânime.  Foram rindo e felizes, entretanto no caminho, Paulo e João voltaram à adolescência e resolveram fazer uma troça com os demais e fingiram que fariam um “racha” entre o novo “SUV” e o “Opalão”. Mas a brincadeira não durou muito, pois logo após cruzarem à avenida uma patrulha parou os dois carros. Os policiais ficaram entre surpresos ao verem aquela turma septuagenária nos carros. Lembraram dos avós, passaram um pito e os liberaram logo.

Quando chegaram à porta da boate, a malta ria tanto que não perceberam que aquela noite era dedicada ao público LGBT. Após o susto inicial de ambas às tribos, todos dançaram e de divertiram a valer. Beberam, flertaram, riram e extravasaram. A turma de cabelos brancos foi a atração do evento e saíram de lá sob aplausos pelas quatro da manhã. Caminhavam em direção aos carros estacionados quando viram dois jovens passarem por eles correndo da polícia deixando uma lata de tinta cair no chão. Betinha pegou a lata e comentou que aquele encontro merecia um registro. Até os mais conservadores assentiram que sim. No muro que os garotos estavam pichando havia sobrado um espaço onde Betinha logo escreveu: “Brotos traquinas”. Apesar da contravenção que acabavam de cometer riram largados e Aston Martin lembrou que acabavam de assinar a confissão de culpa, pois ninguém mais usava aquele vocabulário. Juju alertou o grupo que havia uma câmera de segurança no poste. Paulo não pensou duas vezes e virou-se de costa para a câmera e arriou a calça deixando sua nádega de fora, o que foi rapidamente seguido pelos oito amigos. A algazarra fora tanto que os cachorros da redondeza começaram a latir e o grupo correu em disparada. Resolveram seguir para a praia e assistir ao nascer do sol nas areias.

Enquanto admiravam a natureza sentiram o peito em júbilo. De mãos dadas permaneceram trocando energia e amor. Voltaram ao tempo que eram jovens, onde viveram com a intensidade e os arroubos da idade. Despediram-se com abraços coletivos e prometeram que fariam sempre aquele encontro.

Antes de entrar na sala de cirurgia, Betinha ainda teve tempo de assistir ao vídeo que havia viralizado na internet onde um grupo de amigos pichava o muro de uma praça e logo depois mostravam a bunda para a câmera. A mulher seguiu para a cirurgia leve como uma adolescente.

 

Por Renatto D’Euthymio

Instagram: @renattodeuthymio

  • Conto premiado com Menção Honrosa e publicação em Antologia no Concurso Literário Beleza e Simplicidade 2022 com o tema “Adolescência”.
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Renatto D'Euthymio

Renatto D'Euthymio, carioca de Santa Tereza, dividindo residência entre São Gonçalo - RJ e a pacata e inspiradora, São José do Calçado no Estado do Espírito Santo. Estudante Rosacruz, técnico em Radiologia, flamenguista fanático e apaixonado pelas filhas Rannya e Rayanne. Cultiva desde criança uma paixão pelos livros e seus gênios. Autor do livro de poemas Solilóquio Antes e Depois da Forca (2020) e do livro de humor O Tabloide Jocoso (2021). Premiado em dezenas de concursos literários (Poesia, Crônica, Conto e Microconto), e publicado em Antologias e Coletâneas. É tão ligado à Literatura que de vez em quando não se contém e atreve-se a rabiscar algumas linhas.

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