João Rodrigues

Gonçalo Ferreira da Silva: um semeador de cultura

Gonçalo Ferreira não era só mais um “Silva”. Pelo contrário, a sua estrela brilhou por toda a vida, e esse brilho certamente atravessará séculos!

Eu o conheci nos anos 2000, em uma visita à Academia Brasileira de Literatura de Cordel, da qual foi fundador e presidente. Foi um passeio turístico e cultural incrível! Afinal, a Academia fica em Santa Teresa! Tem lugar mais inspirador?!

Peguei o bondinho na Carioca, que cruzou os famosos Arcos da Lapa – que muito tempo antes fora um aqueduto – e saiu cortando a floresta morro acima, pacientemente, como se fizesse questão de que as pessoas ali degustassem a paisagem e tudo mais ao seu redor. Foi uma viagem no tempo e na história carioca!

Primeiro me deliciei com o bondinho, diferente de todos os meios de transporte que eu já tinha visto; depois, com a vista. Lá de cima, vi uma boa parte turística da cidade. Subi encantado! Como era minha primeira vez em Santa Teresa, fiquei meio enrolado, sem saber direito onde ia descer. Perguntei a um senhor se ele sabia me informar onde eu deveria saltar para ir até a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). “Não conheço”, limitou-se a dizer.

Saltei no Largo dos Guimarães. Entrei em um bar. Me disseram que ficava mais acima e que poderia pegar o próximo bonde. Enquanto isso, fiquei apreciando a paisagem e a arquitetura. Parecia um mundo à parte.

O bondinho chegou. Subi. Pedi informações. Acabei descendo um ponto depois.

Voltei.

Mestre Gonçalo estava parado, ajeitando alguns folhetos. Dei “bom dia”.

– Olá, gente boa! Entre. – me recebeu com aquela alegria de sempre.

Me apresentei. Me mandou sentar.

– Sou de Reriutaba.

– Que alegria ver um conterrâneo! O que traz o camarada aqui?

Respondi. Me falou que era do Ipu. Eu já sabia. Conversamos bastante.

Tempos depois, após eu já ter voltado a morar no Ceará, tive a felicidade de vê-lo novamente. De novo na ABLC. Foi outra alegria. De férias no Rio, resolvi levar meu primeiro cordel para imprimir. Mostrei-o.

– Leia pra mim, camarada. Não enxergo bem. – me pediu.

Eu o li, e ele ouviu atentamente.

– Você aceita opinião, camarada? – me perguntou.

– Claro!

Me deu várias dicas importantes. Além disso, me indicou uma gráfica e ainda permitiu que o brasão da ABLC saísse na quarta capa do meu folheto, intitulado “Carnaúba: A árvore da vida”. Foi meu primeiro cordel, incentivado a escrever pelo amigo Ribamar Viana. No final de semana seguinte, voltei para assistir a uma plenária. Alguns artistas da Globo estavam garimpando material para a novela “Cordel encantado”.

Ainda tive a oportunidade de voltar ao Rio, outra vez de férias, e assisti a uma plenária na Federação das Academias de Letras do Brasil (FALB), na Lapa. Lá, conheci Morais Moreira. Gonçalo estava sempre cercado de pessoas talentosas. Não poderia ser diferente, pois o Mestre era uma árvore frondosa e frutífera, sempre tinha muito a oferecer. Uma fonte insecável de conhecimento, da qual todos queriam beber.

Poucos anos depois, esteve em Reriutaba. Inauguramos uma cordelteca que levava se nome. Tive a honra de receber de suas mãos a medalha “Cordelteca Gonçalo Ferreira”, com sua foto gravada, por meus serviços prestados à Literatura de Cordel. Compartilhamos o palco numa palestra, e ele compartilhou comigo mais dicas e experiências.

Veio outras vezes em Reriutaba, participamos de um evento de cordel em Ipueiras, organizado pela cordelista Dalinha Catunda; inauguramos mais uma cordelteca, dessa vez na Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes, em Ipu, sua terra natal. Na época, estava com uns 80 anos e tinha apenas dez por cento da visão. Já prenunciava seu fim, mas ciente de que cumpria sua missão como Deus o tinha determinado. Por isso, precisava plantar cordeltecas, difundir a literatura a qual sempre amou e pela qual viveu. Amava o que fazia.

Recentemente, nos falamos por telefone algumas vezes. Disse-lhe que gostaria de homenageá-lo na Academia Ipuense escrevendo sobre ele um pequeno artigo. Ficou muito agradecido. O texto foi lido em plenária e postado no site da Arcádia. Ainda bem que tive tempo de homenageá-lo em vida. A meu ver, vale mais do que mil homenagens póstumas.

Certo de que cumpriu sua missão terrena, Gonçalo despediu-se deste plano no dia 21 de novembro, 48 horas depois do Dia do Cordelista. Para o bem da Literatura de Cordel e de quem a aprecia, o Mestre nos deixou um rico acervo, de preço inestimável, e uma história de vida fantástica!

Há muito o que falar deste grande vate, que muito contribuiu na minha vida como cordelista, mas isso vai ficar para outras ocasiões. Por enquanto, quero apenas registrar nesta crônica, de forma resumida, como o conheci e dizer-lhe “Obrigado, Mestre! Descanse em paz!”

Imagem: arquivo pessoal do autor.

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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