Elias Antunes

HIRUDO MEDICINALLIS, DE ADEMIR LUIZ

HIRUDO MEDICINALLIS, DE ADEMIR LUIZ

 

Por Elias Antunes

 

O assombroso, em todos os sentidos, romance Hirudo Medicinallis, de Ademir Luiz começa com uma carta (todo o romance é uma longa carta) escrita pelo personagem-narrador Lorde Düsseldorf ao Orson Welles, ou o fantasma dele.

O estilo lembra, de certa forma, o escritor Umberto Eco, a missiva inicial, o discorrer da história, dentre outros detalhes.

Estudante de filosofia, Lorde Düsseldorf rebatiza a cidade para onde viera de seu “burgo” natal, de Alexandria. Não por acaso, o mesmo nome da cidade natal de Eco.

Os diálogos, estudos, conflitos e confrontos abrem-se para se discutir filosofia e a vida de personagens históricos, como num “campo de guerra caótico”.

Irônico, caótico, mas ao mesmo tempo cerebral e bem construído, o romance Hirudo Medicinallis caminha por um universo nebuloso, como se os percursos da personagem fossem por uma névoa, labirinto no escuro.

Aqui aparecem sociedades secretas, a ideia de vampiros transitando entre a população, roubos, desconstrução de mitos, humor negro, jogo de ideias.

Sobretudo levanta-se de sua leitura uma certa ânsia pelo resultado da história. Essa é qualidade do bom romance, isto é, prender o leitor ao texto, sem ser leviano.

O romance levantou um importante prêmio literário, o Prêmio Cora Coralina, posteriormente agraciado com o Prêmio do FAC, em conjunto com outros livros do autor que, também, se destaca como exímio ensaísta.

 

“Decididos, Ariadne e eu aguardamos nossa vez por mais de uma hora”.

(LUIZ, 2021, p. 189)

 

O livro tem vários recursos estilísticos, inclusive, o uso preciso e irônico dos nomes próprios das personagens.

Há livros que se desfazem com a indicação de spoiler, outros valerão sempre a pena serem lidos e relidos, pois a linguagem e as ideias fragmentadas ao longo do texto fazem do romance uma verdadeira obra de arte. É o caso de “Hirudo”.

Não faltam referências no livro: Orson, Nietzsche, Shakespeare, Hitler, Marx, Borges e mesmo de uma biblioteca-labirinto, bem fornida de livros e grandes títulos.

As ideias e frases de efeito surgem no livro, como um crescendo:

 

“O Homo Sapiens é o único animal que sente culpa”.

(LUIZ, 2021, p. 18)

 

Este texto é apenas uma apresentação prévia, uma pista para provocar no leitor a vontade de abrir caminho por um romance atual, interessante e importante, feito por um escritor inteligente e atendo, mordaz, irônico e carregado do humor sutil de um mestre da arte da narrativa.

Deverão descobrir por si a sociedade secreta dos vampiros, quem roubou o quê, quem ama ou deixa de amar, se há mortes ou não, se o romance parece policial sem ser, se lembra Kafka ou Eco ou um filme narrado de Orson Welles.

A linguagem, o tempo, o espaço e a narrativa formam um arcabouço e justifica o prêmio alcançado por este livro estranhamente fascinante.

Dizem que é um erro confundir o criador com sua criatura, o autor com sua personagem, contudo alguma coisa, um fator ou característica do escritor surge em suas personagens. O personagem-narrador é cinéfilo, assim como Ademir Luiz. Conhecedor gabaritado da sétima arte (7 é um número mágico?), vai demonstrando seu conhecimento, citando filmes e nomes importantes para a formação e a história do cinema.

Sobressai de tudo isso a história do “vampiro”, as ideias e textos apócrifos e os “verdadeiros” que colocam em evidência que também a verdade pode ser negada.

O diálogo constante com o fantasma de Orson Welles e suas digressões filosóficas e cinéfilas pontuam uma espécie de volta à consciência, como um diário abstrato.

Um dos maiores triunfos do romancista é a busca de escrever o romance-total, isto é, dentro de sua história haver várias histórias. E isso Ademir Luiz consegue muito bem com seu Hirudo Medicinallis. Temos a impressão de estar dentro de uma narrativa de terror, ou em um Umberto Eco, ou em O Processo, de Kafka, em Shakespeare, em Tristão e Isolda, nos labirintos de Borges, ou em um jogo de vídeo game, em um filme etc.

Há vários jogos e desafios mentais.

Às vezes é pesado, sujo, estranho, outras, erudito, informativo, histórico a sua maneira, mas sempre uma escrita eletrizante.

Assim a narrativa anda entre o erudito e o popular, proporcionando uma leitura ótima, ao mesmo tempo cheia de ação e conhecimento.

Um dos melhores romances escritos nos últimos tempos.

 

Fonte da imagem: Foto do autor.

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Elias Antunes

Filho de um dos trabalhadores pioneiros que construíram Brasília, Elias Antunes nasceu em Goiânia, em 1964. Trabalhou como servente de pedreiro, vendedor ambulante, contínuo. Depois, entrou na Secretaria de Segurança de Goiás, por concurso. Bacharel em Direito, UCG, Mestrado (incompleto) em Teoria Literária, UnB. Em 1993, por concurso, entrou no Tribunal de Justiça do DF, passando a morar no Distrito Federal. Concomitantemente, foi professor do ensino médio e universitário de História da Filosofia, de Redação, de Direito e Legislação e de Teoria Literária. Seu livro de poemas “Chamados da Chuva e da Memória” ganhou o prêmio da Funarte de Criação Literária e o prêmio “il convívio”, na Itália (1º lugar). Seu romance “Suposta biografia do poeta da morte”, ganhou os prêmios: Hugo de Carvalho Ramos, 2008 (1º lugar), Prêmio Jabuti, 2011 (finalista), prêmio “il convívio”, na Itália (1º lugar). Tem 20 livros publicados e ganhou mais de 300 (trezentos) prêmios. Participa de mais de 100 antologias e obras coletivas no Brasil e no exterior. Cocriador das revistas O artesão, Rotina, Flor & sol e Linhas & Letras e dos jornais Tempoesia, Jornal de Poesia e Artefatos. Tem poemas traduzidos para os idiomas: espanhol, francês, inglês, esperanto, galego, romeno, italiano, catalão, alemão, sueco, russo e hindi. Com publicações nos países: Rússia, Itália, Argentina, Portugal, França, Estados Unidos, Espanha, Romênia, México, Suécia, Vietnã, Índia e Venezuela.

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