Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#11 – Crônica: “Em Cena: Os livros” – Renato Cardoso

Série: “Sob o olhar de um professor” – Cap.#11 – Crônica: “Em Cena: Os livros” – Renato Cardoso

Por algum tempo, eu pude coordenar o turno da noite em uma escola particular. Era Educação de Jovens e Adultos, antigamente conhecido como Supletivo. Já tinha tido experiência no noturno como professor em outra instituição. Gostava de trabalhar com os mais velhos.

No meu primeiro ano, busquei inovar, trazer coisas diferentes ao cotidiano dos alunos. Motivar o turno fazia-se necessário, era quase que urgente. O alunado do noturno era marcado por pessoas que estavam há anos longe dos bancos escolares.

Os mais novos, eram alunos que, por um motivo ou outro, a vida os levou a parar momentaneamente os estudos, ou eram alunos que de fato não gostavam de estudar. Mantê-los dentro de sala de aula era uma coisa muito trabalhosa no início.

Eu já desenvolvia o Diário da Poesia (era recente, tinha voltado há poucos meses), tinha contato com diversos escritores e amantes da literatura. Foi então que tive a ideia de receber doação de livros para o desenvolvimento de um outro projeto que estava em mente.

As obras literárias foram chegando (os amigos ajudaram bastante). A princípio, os livros seriam para sortear nos eventos do Diário da Poesia. Uma maneira encontrada para incentivar à leitura nas pessoas. O que deu certo e foi feito durante muito tempo.

Uma bela noite, na sala dos professores, durante o recreio, falei do projeto para eles e da intenção de fazer com os alunos à noite. Todos concordaram e ficaram entusiasmados, alegando que poderia ser um diferencial e tanto.

Pedi aos professores que não falassem nada para os alunos, pois queria fazer surpresa. Os docentes trouxeram livros que não queriam mais. O projeto que seria feito em um dia somente, acabou acontecendo a semana inteira.

Numa terça-feira, assim que todos foram para suas salas (era proibido ficar no pátio durante as aulas), comecei a arrumar o ambiente. Peguei duas mesas, dessas redondas, forrei com uma toalha e comecei a arrumar os livros. Fui a coordenação e imprimi uma placa dizendo: “Livros para doar! Pegue o seu e leia!”.

Aproximadamente 30 livros foram colocados para doação. Eu coordenava cerca de 150 alunos de diferentes idades. O sinal do recreio bateu mais cedo naquela noite (cinco minutos antes do horário tradicional). Queria mais tempo para convencê-los que a leitura era legal.

Aos poucos, eles iam descendo e se depararam com a mesa, leram a placa e timidamente foram se aproximando. Lembro-me bem de uma aluna me perguntando se realmente era de graça, pois ninguém nunca tinha dado nada a ela sem que ela tivesse que pagar.

Respondi que sim, que poderia pegar desde que fosse ler de fato. Os mais velhos foram os primeiros a escolherem seus livros. Eu sempre enfatizava a importância da leitura na vida deles e quão interessante era conhecer novos mundos, mesmo que fantasiosos.

Um menino, por volta de seus 17 anos, se aproximou, me perguntando se tinha livro de poesia. Confesso que estranhei a pergunta. Não imaginava que poesia seria procurado. Como poeta sei que é tão difícil achar alguém que se interesse em ler o gênero.

Disse que tinha sim, tinha alguns. E o perguntei por qual motivo ele queria um livro de poesia. Ele riu, disse que gostava e que usava as poesias para conquistar as meninas nas quais ele se interessava.

Indiquei o livro de um grande amigo. Ele pegou, leu umas duas ou três poesias, gostou e levou para casa satisfeito. Provavelmente, ele utilizou os poemas românticos do livro nas conquistas que vieram logo depois.

Uma senhorinha me perguntou se tinha livro infantil, pois queria levar para netinha. Disse que sim, e dei a ela uma ideia. Sugeri que ela, ao invés de simplesmente dar o livro a neta, que lesse o mesmo com a menina. A senhora gostou da ideia, pegou o livro e começou a folheá-lo.

E assim diversos alunos foram pegando os seus livros. Para cada um pegava, eu fazia um pedido, que assim que terminasse a leitura, passasse o livro adiante, incentivando alguém à leitura. Muitos perguntavam se poderiam devolver e pegar outro, e respondia sempre positivamente.

Aquela movimentação chamou a atenção de todos, até mesmo os funcionários se interessaram e buscaram seus livros para ler. Os professores foram para o pátio e buscaram incentivar os alunos. Quando vi, muitos estavam conversando sobre livros.

O recreio durava 20 minutos, mas naquela noite durou cerca de 35. Os 30 livros se foram e outros livros foram repostos para o restante da semana. Alguns alunos me perguntaram se poderiam doar livros e participaram ativamente do projeto. Aquilo me motivava cada vez mais.

Entendi que, na verdade, não era que eles não gostassem de ler, mas eles não tinham incentivo e, alguns, não tinham dinheiro (afinal livro no Brasil é um artigo caro). Muitos alunos se aproximaram para elogiar a iniciativa, pedindo que mantivesse aquilo nos próximos semestres.

O projeto foi um sucesso, cerca de 60 livros foram doados em 3 dias. Muitos vieram conversar comigo sobre os livros que leram. Pedia sempre que me contassem as histórias. A iniciativa durou por mais 4 semestres, parando somente no meu último ano de coordenação.

Imaginar que a senhorinha leu o livro para netinha, que o menino decorou as poesias para conquistar seu amor, que outros despertaram o interesse em conhecer novos mundos e assim se tornarem pessoas melhores e mais críticas, não tem preço.

A missão foi cumprida com sucesso. Livros doados e mentes abertas. Parti para outras ideias…

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Série publicada aos domingo na Revista Entre Poetas & Poesias / Instagram: @professorrenatocardoso