João Rodrigues

Lampião: de renegado a campeão

“São Pedro não o aceitou;

Satanás também não quis.

Assim, Lampião voltou

pra brilhar na Imperatriz.”

 

No princípio era o verbo – Cordelizar –, que tempos depois se tornou enredo.

Quando o Cordel ainda engatinhava pelas brenhas do sertão, um velho beato, bem antes de Padim Ciço e Frei Damião, disse que “Este menino vai fazer história por este mundaréu afora”.

Taí! A previsão do Velho mais uma vez tornou-se realidade.

A verdade é que não é de hoje que o Cordel faz história. Foi professor e jornal do sertão. É também inspiração na música, na TV, no cinema, nas escolas de samba… Vez e outras alguns personagens do Cordel saltam do folhetos para os palcos, para a telinha, para o sambódromo…

Desta vez foi Lampião. Renegado no céu e no inferno, não se deu por vencido e foi procurar espaço noutras paragens. Como era bem de seu feitio, se não o quisessem em um lugar nem mesmo à força, ele abriria varedas pelas brenhas da caatinga e chegava a outro lugar. Não era com ele esse negócio de ficar num canto só, feito galinha que quer pôr. O Rei do Cangaço gostava de sair correndo sertão, lutando, conquistando, punindo, ou seja lá o que fosse. Não queria era ficar parado. Até porque se ficasse num canto só, seria uma presa fácil pra volante.

No entanto, como todo reinado tem fim, o de Lampião chegou em 1938, nos sertões sergipanos. Mas morreu sem se entregar. Lutou até o fim.

São Pedro, por achá-lo ruim demais, não o deixou que entrasse no reino dos céus; Satanás, não sei se por inveja ou medo, também não o aceitou. O certo é que o Rei do Cangaço ficou correndo visão, segundo alguns cordelistas, pelo sertão nordestino, ora com sua cabroeira, ora só. Cansado de não ter com quem lutar, foi parar no Rio de Janeiro, como costumam fazer os milhares de nordestinos como ele, quando se cansam da vida daqui de riba. Até eu já fui.

E a Imperatriz Leopoldinense, como num é besta nem nada, sabendo da capacidade e da valentia do cabra, botou ele pra competir no sambódromo. Afinal, quem foi rei nunca perde a majestade. E ele, acostumado a dançar xaxado na caatinga, em cima de paus e pedras, precisou apenas de uns ensaios pra arrebentar no samba. Pois nunca foi de sair por aí fugindo de qualquer um. Topou o desafio! Ora, o cabra, que era acostumado a brigar com a volante com centenas de macacos do diacho na bala e na peixeira, ia amarelar diante de 11 adversários? Botou pra torar e deu no que deu! Taí nas manchetes pra todo mundo ver: foi campeão.

Como o céu não gosta de festa mesmo, São Pedro tá nem aí pro sucesso de Lampião, talvez a notícia nem tenha chegado lá ainda. Pelo que sei, lá não tem redes sociais. A não ser que alguém tenha levado a notícia pessoalmente, mas acho quase impossível. Sopraram nos meus ouvidos que entrar no céu tá cada vez mais difícil.

Já o Satanás, invejoso como ele é, deve tá se roendo de inveja e arrependido por não ter deixado o cabra entrar. Já pensou na farra que ia ser no inferno se Lampião chegasse lá agora? Mas o rei é orgulhoso. Nem a convite e bem pago com muito ouro ele não aceitaria mais.

É sempre assim que acontece com nós nordestinos, batem a porta nas nossas ventas aqui e ali. Mas a gente não desiste, corre pra um lado, corre pro outro, até achar um espacinho que seja. E quando a gente entra, seja a convite ou na marra, o nosso talento logo aparece e dá nisso – é campeão!

E com Lampião, esta fera do Nordeste, não poderia ser diferente.

Ah, eu ia me esquecendo. Pra quem diz que cordel é besteira… Toma!

 

João Rodrigues – Reriutaba – Ceará – Nordeste

 

Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/carnaval-do-rio-samb%c3%b3dromo-carnaval-1084654/

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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