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Suplemento Araçá – Vol.02 – nº03 – Set./2022 – Crônicas & Opiniões: “Qual é o seu rótulo?” – Renato Cardoso

ISSN: 2764.3751

Qual é o seu rótulo?
Renato Cardoso

Certo dia estava andando pelo shopping, olhando as vitrines, sem pressa e distraindo um pouco a cabeça do cotidiano. Um dia meio atípico, o local estava vazio. Chegando à praça de alimentação, aquele cheiro de comida gostosa bateu e junto veio à fome.

Sentei-me próximo a um casal com um lindo garotinho (deveria ter por volta de seus nove anos). A mãe estava vidrada no celular, parecia que algo de muito interessante passava por ali, mas pude perceber que eram somente as redes sociais; o pai olhava quem passava, olhar meio vago, perdido no horizonte (parecia não queria estar ali) até que o garotinho chamou. A figura paterna prontamente o atendeu e com um olhar curioso perguntou: “Pai, o que é rótulo?”.

O pai sem saber ao certo o porquê da pergunta, respondeu: “Rótulo é aquele papel que cerca a garrafa de refrigerante, dizendo qual é o nome da bebida. Respondido?”. A criança balançou a cabeça sinalizando que sim, mas dava para notar que um ponto de interrogação continuara em sua cabeça juvenil.

A mãe se levantou, foi até a lanchonete mais próxima (uma daquelas famosas, que “ganha” o brinquedinho), comprou o lanche de todos. A família comeu silenciosamente, até que o menininho interrompeu e perguntou de novo: “Pai, cadê o rótulo do suco? Aqui não tem nenhum papel!”. O pai, impaciente, respondeu: “Lá vem você com essa história de rótulo, por que está tão interessado assim? O rótulo do suco está impresso no copo”.

A criança percebeu que o pai não queria papo e se calou. Todos terminaram, levantaram-se e se foram. Uma família típica, das mais tradicionais e atuais. Chegaram ao estacionamento, entraram no carro e foram para casa.

Chegando a casa, o pai ficou com os questionamentos do filho na cabeça e perguntou a esposa o porquê das perguntas sobre rótulos. A mulher contou que era um dever da escola, um trabalho de Filosofia, que tinha como título: “Qual é o seu rótulo preferido?”. O pai achou interessante e foi procurar o garoto, que estava em seu quarto jogando vídeo game.

Ao entrar no quarto, perguntou ao filho: “Por que você não me disse que era um trabalho?”. A criança, sem se lembrar do que o pai falava, respondeu: “O quê?” – e continuou – “Ah! Pai, a professora explicou diferente. Ela nos disse que ao longo da vida as pessoas assumem diversos rótulos. Uns de fato elas merecem, outros os impõem e alguns fingem merecer. Eu só não entendi essas diferenças”.

O pai, sem saber como começar, tentou: “No primeiro caso, temos os estudos. Você entra numa universidade, faz um curso, estuda muito e se forma. Este rótulo é seu, você mereceu, batalhou por isso! No segundo caso, é o trabalho. Você se esforça para melhorar de cargo, mas não deixam, pois você não pode sair dali. Você é muito bom naquilo que faz. No terceiro caso (o mais complicado), a pessoa finge ser o que não é, mas por ter um monte de gente que aceita tal imposição, ela acaba se vangloriando de algo que não sabe sequer fazer. A pessoa não conquista o rótulo, ela o toma. Entendeu agora?”.

A criancinha, num ato de genialidade, relacionou, tudo o que foi dito, a sua realidade e falou: “Pai, deixa eu ver se entendi. O primeiro caso é a minha professora. Ela estudou para aquilo e pode ser chamada assim. O segundo caso é a mamãe, que também estudou muito para ser arquiteta, mas teve que ficar em casa comigo, sendo dona de casa. O terceiro é meu amigo João. Ele fala que é o melhor no futebol, mas nem jogador é, mas como todos gostam dele, ele acredita que seja. É isso?”.

Com orgulho no olhar o pai disse: “Perfeito!” – e complementou: “Meu filho, tenha somente os rótulos que merecer. Não deixe que te imponham nada e nem aceite os rótulos tomados por outros. Você não precisa magoar ninguém, dizendo que ela não é isso ou aquilo, mas você não pode compactuar, pois estará iludindo uma pessoa. Se quiserem te impor algum, negue. Se quiserem impor para você, se afaste!”.

O menino entendeu perfeitamente a explicação, mas ainda faltava algo e questionou: “Por que as pessoas tomam alguns rótulos para si, papai?”. A figura paterna, mostrando sabedoria e calma, respondeu: “Filho, o mundo hoje pede que sejamos tudo e algumas pessoas, vendo sua impotência diante do que lhes é pedido, simplesmente pegam para si o que querem. Lembra-se do seu amiguinho?! Então! Ele pode falar que é o que quiser, e se tiver quem concorde (por desconhecimento ou conveniência), ele pode acreditar e gritar tal coisa para o mundo. Mas pessoas assim são infelizes, pois sabem que no fundo existe um vazio, um trauma, uma vontade!”.

A criança dando por encerrada a conversa, sorri e fala: “Obrigado papai!”. A esposa chega e eles resolvem brincar no quarto até a hora de dormir, fazendo uso assim do rótulo que eles conquistaram, família.

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Redação

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