Cristiano Fretta

Por que o clima nos fascina tanto?

Enquanto escrevo essas linhas, um vento forte e frio balança as janelas do meu quarto, aqui em Porto Alegre. É o prenúncio da tempestade subtropical Yakecan – “o som do céu”, em tupi -, que deve atingir o leste do Rio Grande do Sul com força total entre a noite de terça e a manhã de quarta, com uma média de ventos a mais de 100km/h. Há pouco li uma reportagem em que alguns meteorologistas alertavam para um risco de que a tempestade virasse um furacão. A Defesa Civil está em alerta. Não há o que fazer, a não ser esperar e torcer para que nenhuma vida seja perdida e que os danos materiais não sejam graves.

O clima exerce, desde os primórdio de nossa raça, um enorme fascínio sobre a humanidade. Os deuses e deusas gregas, por exemplo, eram muito associados a fenômenos da natureza. Zeus, quando estava irado, castigava a humanidade com raios e trovões. Poseidon carregava consigo um tridente tão potente que era capaz de gerar terríveis tsunamis. Já na mitologia asteca, Tlatoc é o deus da chuva, do raio, do trovão e do relâmpago. Esses três exemplos, claro, são uma fração mínima que representa como o politeísmo foi muito eficiente em dar explicações divinas para fenômenos naturais.

No entanto, por mais que a Razão e Ciência tenham substituído as crenças em entidades sobrenaturais como explicação para fenômenos da natureza, ainda assim as mudanças climáticas seguem nos fascinando. Isso se deve ao fato de o clima ser uma das poucas coisas que o ser humano não consegue controlar. Já dominamos a agricultura, os elementos químicos e até mesmo as mentes; já compreendemos a engenharia íntima de boa parte de nossa realidade, e assim ganhamos o poder de controlar e gerar tecnologias que há apenas um século seriam consideradas algum tipo de bruxaria. No entanto, ainda estamos muito longe de conseguir controlar o clima.

O fascínio – e o medo – que sentimos por uma tempestade, portanto, é uma espécie de reverência a um poder que não podemos controlar. E mais do que isso: um poder que não altera o rumo das nossas casas e de nossas rotinas privadas somente, mas sim altera paisagens em raios de centenas e até mesmo milhares de Km². Nesse sentido, respeitar o clima e temê-lo não deixa de ser um ponto de convergência com os nossos ancestrais gregos. Há ainda um poder quase divino nas mudanças climáticas. E a humanidade, crente em sua onipotência, por trás de todas as suas tecnologias, ainda não consegue dominá-las. O clima escapa à nossa razão e ao nosso controle. Por isso mesmo ele é tão bonito.

Termino de digitar este texto na expectativa pela noite de amanhã. Se eu pudesse, confesso, gostaria de observar o vento e a Yakecan soprar a sua ventania por toda a cidade. E que a beleza desse fenômeno seja apenas no plano estético, pois, passada a ira dos deuses, o que pode sobrar é muito escombro.

Que tudo fique bem!

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/raio-trovão-tempestade-com-raios-1056419/

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Cristiano Fretta

Cristiano Fretta é mestre em Letras pela UFRGS, músico, compositor e professor de Literatura e Língua Portuguesa em escolas privadas de Porto Alegre. É autor das obras "Chão de Areia", "Tortos Caminhos", "A luz que entrava pela janela" e "Crônica de um mundo ausente". Também colabora com as revistas digitais Parêntese, do grupo Matinal Jornalismo, Passa Palavra e com o jornal Extra Classe. Nasceu e mora em Porto Alegre

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