Valdeci Santana

O ultraje de Berenice

 

O ultraje de Berenice

Com Berenice eu não falo mais!

Nem mesmo se, por acaso, eu furtar seus lábios perolados redigindo cada letra do meu nome, no timbre cristalino de sua voz.

E se por ventura, em sua face rosada esgarçar um sorriso carregado de luzir, tão puro quanto a inocência de um recém-nascido, decreto agora, que hei de ignorar.

Assim como hei de ignorar cada suspiro seu!

Advirto que insistências não serão bem aceitas. Com Berenice eu não falo mais e pronto!

Nem mesmo se por atrevimento, seu toque macio ondular na aspereza de meu rosto. Tampouco se seu olhar sadio percorrer cada crispa de minha expressão zangada. Hei de ignorar cada fragrância adocicada que vaza de seus poros, que embriaga meus desejos mais insanos.

A meninice espontânea de suas ações será duramente repreendida, pela hostilidade com a qual lhe negarei o cortejo de uma dança. Ofendido hei de ficar, se os desenhos simétricos de seu corpo bem cintado, na diversidade de qualquer vestido que lhe cai bem, se enlaçar na rigidez de minha postura e arrastar-me ao salão.

Contrariado serei se, propositalmente, ou por descuido, os longos fios negros de seus cabelos sedosos, que transportam os melhores aromas que há na terra chicotearem meu rosto, ou repousarem solenes sobre meus ombros, quando, desgostoso, eu estiver enlaçado em sua cintura frágil.

Rogo profundamente aos deuses, que mandem cá para terra, o mais furioso raio, endereçado bem ao centro de meu crânio, se por fraqueza, eu descumprir a promessa de nunca mais parar diante daquela janela, onde tantos versos declamei. Nunca mais hei de sonhar com seus beijos embebecidos de quentura, com seu corpo envolto em véu matrimonial. Não quero rever seus olhos bordejados de gratidão, quando debruçada na janela, cheirar a flor que lhe atirei.

Azar o de Berenice. Que não terá meus afagos quando, tão eficaz como um batalhão de infantaria, eu lhe alvejasse com a servidão de meus carinhos.

Com Berenice eu não falo mais!

Mesmo que ajoelhada ela faça um juramento, de jamais repetir o consentimento de ser cortejada por um rival. Mesmo que arrasada confesse alguma qualidade em meu rival, mas, que convicta afiance que tais atributos, jamais significariam qualquer relevância, ante a precisão de minha perfeição. Mesmo que chore caudalosas lágrimas.

Decidido, hei de ignorar cada vez que ela, acompanhada da mãe, caminhar diante de minha calçada, em seus habituais passeios matinais, pois, com Berenice não fala mais.

Findo estas palavras à contra gosto, mas, preciso sorver sozinho, a raiva que lacera minha alma, além do mais, há outro motivo: Berenice está chamando.

fonte da imagem:https://www.pexels.com/pt-br/foto/casal-conjuges-divorcio-separacao-6669872/

Mostrar mais

Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

Artigos relacionados

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo