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Cordel: uma literatura para chamar de minha

Veio da Europa (há controvérsias), mas foi no Nordeste brasileiro que ele fincou raízes, entroncou, criou forma e espalhou seus galhos, deu flores e frutos. Com o tempo, esparramou suas ramas pela caatinga, seca ou molhada. E a boca dos cantadores, feito o vento, cuidou de carregar seu nome pelo sertão, e foi recebido com felicitações nas casas humildes dos sertanejos, que o transformaram em momentos de lazer e cultura nas rodas de viola e de conversas das bocas de noites nos terreiros enluarados.

O tempo foi passando, e o Cordel foi sendo transformado, temperado com nossos ingredientes típicos e acabou se naturalizando e se tornando uma literatura nordestina. Suas raízes originais enfraqueceram, agora acostumadas ao chão quente e bruto do Nordeste, mas fértil e apropriado para esta espécie. Trocou as histórias de reis, príncipes e princesas pelos personagens do sertão, tais como os cangaceiros, os santos padroeiros, o vaqueiro e tantos outros que ganharam vidas ou tiveram suas vidas narradas nos folhetos. Visagens, botijas, lobisomens, almas penadas e tantas outras lendas destas terras de cá também ocuparam espaço nesta literatura.

Com ele, muitos sertanejos foram alfabetizados, e chegou a ser conhecido como o professor do sertão. Quando o rádio ainda era artigo de luxo nestes rincões do Nordeste, foi o folheto de cordel que fez o papel de mensageiro; era ele quem levava a notícia, embora atrasada, à casa dos sertanejos, por isso ficou conhecido como o Jornal do Sertão.

Com o tempo, esta literatura saiu da oralidade para o papel. A capital de Pernambuco foi o principal polo de impressão de folhetos do século 20, uma vez que existia lá uma tipografia desde 1815. E foi para lá que muitos poetas cordelistas foram, inclusive o paraibano Leandro Gomes de Barros, que, devido a sua produção farta e de qualidade, ganhou o título de “Pai da Literatura do Cordel Brasileiro”, ou “O Pai do Cordel”.

Cantando o sertão, o vaqueiro, o Nordeste e tantos outros personagens, o Cordel, atemporal, foi ganhando terreno, se expandindo, se atualizando. Ganhou Academia própria – fundada pelo ipuense (Ipu, Ceará) Gonçalo Ferreira da Silva, da qual foi presidente por muitos anos – ganhou cordeltecas, passou a ser lido nos grandes salões e a ser estudado nas Universidades (nacionais e internacionais) e escolas, foi tema de música, de novela, de samba-enredo e acabou ganhando o título de Patrimônio Cultural Brasileiro e, inclusive, um dia chamado de seu para celebrar: 19 de novembro, dia do nascimento de um de seus poetas mais famosos: Leandro Gomes de Barros.

Por estas e por incontáveis outras razões, como nordestino que sou, posso dizer que o Cordel é uma literatura que posso chamar de minha.

 

João Rodrigues – Reriutaba – Ceará

Foto: Arquivo do autor

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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