Nosso Cordel

Nosso Cordel – “O Pulo do Rato” – Massilon Silva

–Nosso Cordel: “Coluna destinada a publicação de cordéis de escritores acima de 18 anos. Basta enviar para: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com (por favor, colocar as devidas identificações)”.

________________________

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/rio-de-janeiro-corcovado-brasil-rio-809755/

________________________

O PULO DO RATO

Massilon Silva

A história que pretendo
Contar ao caro leitor
Engraçada e pitoresca
Tem seu lado sedutor
Fala de gente importante
Homens de grande valor

Começa em Vila Isabel
Esta minha descrição
Feita com tinta e papel
Em respeito à tradição
Neste Rio de Janeiro
Nos tempos da abolição

Quando o Barão de Drummond
Nos anos 1800
Criou sua loteria
Não teve maus pensamentos
Para o Jardim Zoológico
Arrecadou provimentos

Vindo de Minas Gerais
Um homem bom e ordeiro
Trabalhador e honesto
Foi mesmo um grande guerreiro
Ganhou fortuna e prestígio
Era um grande brasileiro

No Bairro Vila Isabel
Onde se estabeleceu
No século XIX
Barão de Drummond viveu
Para ampliar seus negócios
Uma ideia lhe ocorreu

Com apoio oficial
Pelo governo de então
O primeiro zoológico
Foi de sua criação
E para o povo em geral
Aberto a visitação

Era um lugar frequentado
Pela gente da cidade
E também pelos turistas
Sempre em grande quantidade
Funcionava a contento
E com regularidade

Animais eram mostrados
Para os frequentadores
Que pagavam seus ingressos
Com irrisórios valores
Com essa arrecadação
Pagavam-se os tratadores

A renda que no geral
Não era suficiente
Para cobrir as despesas
De maneira eficiente
Era subsidiada
Pelo governo vigente

Com a queda do Império
República se instalou
E Drummond sentiu na pele
Quando o Governo mudou
Para sustentar o zoo
Um jogo idealizou

Criou uma loteria
Trabalhada no capricho
Na qual o apostador
Faz o jogo no cochicho
Que depois foi batizada
Com nome Jogo do Bicho

Animais do zoológico
25 ele escolheu
Numerando cada um
Numa cartela escreveu
Foi com essa loteria
Que o lugar sobreviveu

O povo todo jogava
Enquanto se divertia
Uma loteria simples
Um ganhava outro perdia
Fazendo sua fezinha
Arriscava todo dia

Uns jogavam na cabeça
Com muita propriedade
Na dezena e na milhar
Sem qualquer dificuldade
Foi assim que a loteria
Se espalhou perla cidade

Todo Rio de Janeiro
Acatou e aplaudiu
A casa dos animais
Dias de glória sentiu
Porém fechou suas portas
Em 40 sucumbiu

O zoo fechou suas portas
Mas O Bicho prosseguiu
Em pouco tempo a mania
Se alastrou e se expandiu
E como jogo de azar
Sua fama evoluiu

Bancas se multiplicaram
Banqueiros enriqueceram
Cambistas por todo lado
Também se desenvolveram
Surgiram apostadores
Milhares de aventureiros

No ano 41
Um decreto federal
Deu-lhe status negativo
De Contravenção Penal
E de uma só penada
Tornou o Bicho ilegal

Mesmo sendo proibido
O jogo continuou
E o número de apostadores
Também se multiplicou
Até hoje não se sabe
Quem um dia não jogou

E aqui começa a história
De dois amigos leais
Em pleno Bairro da Glória
Das colunas sociais
Cada qual com sua banca
De bicheiro e tudo mais

Rua Benjamim Constant
Os dois estabelecidos
Cada um no seu comércio
Todos dois bem sucedidos
Pessoas de boa índole
Ambos muito conhecidos

Walter Kaô era um deles
Em sua banca instalado
E o outro seu amigo
Que por Rato era chamado
Longe de desarmonia
Tudo bem determinado

Vendiam balas de leite
Cigarro água e café
Pão e biscoito integral
Arroz farinha e rapé
Bolo de milho e fubá
Alho e coco catolé

Comércio movimentado
Ali se desenvolvia
Com as bancas prosperando
Dia e noite noite e dia
Mas o negócio de apostas
Era o que mais progredia

Mas o futuro é incerto
Seja em qual for a função
Hoje a pessoa está bem
Amanhã muda o padrão
Foi isso que aconteceu
Gerando toda questão

Chega pra Rato a notícia
Coisa que às vezes ocorre
De um parente distante
Que estava morre-não-morre
Era um pedido assustante
Que dizia me socorre

Naquele exato momento
Kaô que a tudo assistia
Tranquilizou o amigo
Que da banca cuidaria
Rato ficou satisfeito
Viajou no mesmo dia

Deixou nas mãos do colega
Barraca de pipoqueiro
Ponto de jogo do bicho
Enfim o comércio inteiro
Bastante mercadoria
Mais um resto de dinheiro

A relação dos fregueses
Repassou com bem cuidado
Listou nome e sobrenome
Deixando tudo anotado
Segredo e chave do cofre
E o caderno de fiado

Walter Kaô fez um gesto
Disse pode viajar
Qualquer problema eu resolvo
Vá sem se preocupar
Encontrará tudo em dobro
Um dia quando voltar

O Rato mais que depressa
Despediu-se do amigo
Partiu da rodoviária
Sem ter noção do perigo
E Kaô na plataforma
Dizendo deus é contigo

No caminho foi pensando
Na saúde do parente
Muitos anos se passaram
Sem visitar sua gente
Levando dentro da mala
Pra cada qual um presente

Era grande o movimento
Quando no dia começou
Gente chegando e saindo
Como nunca imaginou
O ponto ficou lotado
Muita grana arrecadou

Então no final do dia
Quando a feira terminou
Conferiu o apurado
Muito dinheiro contou
A invejas fez morada
No coração de Kaô

A freguesia indagando
Sobre o que aconteceu
Alguns pensavam consigo
Será que o rato morreu
Walter Kaô respondia
O dono agora sou eu

Assim passados os dias
O telefone tocou
Do outro lado da linha
Rato se identificou
Dentro de um mês voltaria
Pois o primo empacotou

Kaô ficou aturdido
Mas fez cara de paisagem
Maquiavelicamente
Apostou na malandragem
No que diria ao amigo
Ao retornar da viagem

Tomou logo as providências
Zerou da banca o estoque
Levou os apostadores
Pra sua banca a reboque
E a falência do outro
Passou a ser seu enfoque

Quando Rato retornou
Estava tudo mudado
Foi perguntar ao amigo
Como havia prosperado
Obtendo uma resposta
Que lhe deixou transtornado

Kaô foi logo dizendo
Que durante sua ausência
Os fregueses se afastaram
Não tiveram paciência
De maneira que o amigo
Fora levado à falência

Que os fiscais da Prefeitura
Acharam irregular
O local onde se achava
A banca a funcionar
Teve que fechar o ponto
Sem nem poder reclamar

Então devolveu-lhe as chaves
E o pouco que sobrou
Das muitas mercadorias
Que o Rato ali deixou
Sobre o dinheiro apurado
Disse que logo acabou

Rato de mãos na cabeça
Viu seu negócio arruinado
Seu amigo prosperando
Nem lhe vendia fiado
Era o dono do pedaço
Com dinheiro amontoado

Kaô no ramo do bicho
Passou à dominação
De todos apontadores
Que andavam na região
Só vestia roupas finas
Tirava barba em salão

Rico de um dia pra outro
Do passado se esqueceu
Mudou-se da Pedra Lisa
Para a Senador Pompeu
Deixou de andar de carona
O carro agora era o seu

Um certo dia porém
Chega a Polícia Civil
Da 9ª DP da Glória
Com viatura e fuzil
No rastro de uma denúncia
Que muito repercutiu

Não aceitaram desculpas
Estava determinado
Confiscado o livro-caixa
O Ponto foi depredado
E para a Delegacia
Walter Kaô foi levado

Cumpriu uns dias de cana
Pagou multa e respondeu
O processo criminal
Condenado recorreu
E rato foi retomando
O lugar que fora seu

As más línguas comentaram
Mas nada ficou provado
Que Rato pra se vingar
Fez todo o arrazoado
Depois levou de bandeja
Para as mãos do Delegado

Assim se conta a história
De Walter Kaô e Rato
Este de bom coração
Sujeito de fino trato
E como os dois nunca mais
Comeram no mesmo prato

Walter caiu na pobreza
Voltou para a Pedra Lisa
Rato soube dar seu pulo
De migalha não precisa
Recuperou no seu ponto
Voltou a viver na brisa

Isso fica como exemplo
Para quem é traiçoeiro
Não se deve desprezar
Um amigo verdadeiro
Pois o feitiço só vira
Por cima do feiticeiro.

F I M

Massilon Silva
Aracaju – Sergipe
E-MAIL: massilonsilva00@gmail.com

Mostrar mais

Redação

A Revista "Entre Poetas & Poesias" surgiu para divulgar a arte e a cultura em São Gonçalo e Região. Um projeto criado e coordenado pelo professor Renato Cardoso, que junto a 26 colunistas, irá proporcionar um espaço agradável de pura arte. Contatos WhatsApp: (21) 994736353 Facebook: facebook.com/revistaentrepoetasepoesias Email: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com.br

Artigos relacionados

Um Comentário

  1. Poeta Massilon, parabéns por mais um belo cordel “O pulo do rato”. Vc é muito bom!!!!

Botão Voltar ao topo