O SILÊNCIO DO OLHAR
Dizem que “quem fala pouco erra pouco”. Também já ouvi dizer que; ”quem fala pouco, menos chance tem de aprender.” Eu, particularmente, tenho uma nova versão: quem fala muito, sobrevive !”
Minha idade, na época, era quatorze. Fui para o ponto do ônibus às quatro e meia da manhã. Provavelmente, se a polícia passasse naquele momento eu seria interceptada. Uma adolescente sozinha à madrugada, em uma comunidade era motivo de investigação sim. Hoje, até eu julgaria…
A justificativa era importante. Precisava chegar cedo ao *INPS com a finalidade de pegar a senha do atendimento médico, para minha mãe. Alguns curiosos ainda questionam: “Não havia uma pessoa da família que pudesse fazer?” Não, não tinha. O meu pai trabalhava à noite e quando saísse, precisaria levá-la para a consulta que iniciava às oito. Ele sempre fazia isso com o maior carinho!
A parada do ônibus combinava com a rua, totalmente deserta. Devo confessar que sentia medo até do chirriar dos grilos! Eu olhava para o alto, como sempre fiz, a contemplar as estrelas. Nesse momento ouvi passos. Virei-me à direita, vi do outro lado da rua um homem alto, magro e negro. Usava um gorro de lã (preto e vermelho) que cobria toda a testa; vestia calça e jaqueta jeans. Atravessou o asfalto e calmamente veio em minha direção. Sorri e o cumprimentei. Ele não respondeu, permaneceu sério a fitar-me.
Nesse instante desatei a falar compulsivamente. Contei com detalhes sobre o problema de saúde da minha mãe e acerca da necessidade de conseguir um número para o tal médico. Reclamei também sobre a demora da condução e simultaneamente critiquei as autoridades do Governo. Falei sobre um tombo gravíssimo que meu irmão caçula sofreu, ali perto. Ele não tecia nenhum comentário. Meu monólogo foi interrompido com a chegada do ônibus, finalmente! Entrei rapidamente, retirei as moedas do bolso, levantei a cabeça e percebi que o homem ficara no ponto. Sentei-me e olhei pela janela. O veículo saiu, e o homem à distância acompanhou-me com o mesmo olhar.
Ivone Rosa
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