João Rodrigues

O resgate da biblioteca

O dia estava sorrindo pra mim. Eu ainda estava curtindo o troféu que havia recebido de um concurso de cordel do qual tinha participado e aguardava, ansioso, o resultado de outro. Além do mais, outras boas coisas estavam acontecendo, e minha alma estava para pular do corpo e sair cantando pelos corredores da escola em que dou aula. Era o dia perfeito!

Mas é como dizia meu mestre Marins, dos meus tempos de garçom: “Não há nada tão bom que não possa melhorar”. E não é que melhorou! Não, não foi outro resultado de concurso literário. Foi muito melhor. Júlia, aluna do 8º Ano D, me parou no corredor e disse:

– Tio, o que o senhor acha de a gente limpar a biblioteca?

– Sério? – perguntei, incrédulo.

– Sério – ela respondeu, decidida. – Vamos falar com o Diretor.

– Seria fantástico! Vão! Vão! – e fiquei sorrindo sozinho.

Na aula anterior, eu havia falado sobre a importância da biblioteca na escola e da “desimportância” com que ela, muitas vezes, é tratada. Se a ferramenta principal de uma instituição de ensino ainda é o livro, como ele poderia ser relegado a segundo ou terceiro ou último plano? A nossa já respirava por balão mesmo antes da pandemia, e durante o período em que a escola ficou fechada, isolou-se de vez, mantendo o distanciamento, como exigia a lei. Quando as aulas retornaram, ela manteve-se isolada na UTI, e alguém só poderia se aproximar dela de máscara, com também exigia a lei; neste caso, o descaso.

No dia seguinte, estava eu caminhando nas nuvens – pois havia acabado de chegar um e-mail me parabenizando por ser finalista do tal concurso de cordel pelo qual tanto esperava –, quando Júlia me perguntou:

– Tio, o senhor já viu como está a biblioteca?

– Não. Mas vou ver.

E fui.

Como uma velha companheira que não me via por um bom tempo, a biblioteca me recebeu com um caloroso abraço, me puxou pela mão e me fez caminhar com ela cada palmo de chão, orgulhosa por estar limpa de novo e poder ofertar conhecimento aos estudantes que faziam fila em busca de livros. Silenciosamente, conversamos por uns bons minutos sobre os grandes mestres da literatura e sobre tantos outros que estão surgindo. Fiquei tão feliz quanto a rejuvenescida Biblioteca, agora com B maiúsculo.

E num é que, feito a fênix, ela tinha ressurgido das cinzas! Bonita esta expressão, né? Pois é, mas não foi bem assim. Ela ressurgiu devido à boa vontade de um grupo de estudantes que acreditam que o livro é uma poderosa arma de transformação e que sempre ouvem seu professor dizer que foi transformado por ele. Foi por causa dessa turminha que aquele quarto velho e empoeirado voltou a brilhar, a sorrir, a ter vida, a ter meninos e meninas entrando e saindo com livros ou sem, mas indo lá. Graças a este grupo que confia na força da leitura, o silencioso depósito de livros tornou-se biblioteca de novo, reavivada com o barulho das crianças e dos adolescentes, com livros passando de mãos em mãos, sendo abertos, lidos ou simplesmente folheados. Ela renasceu, mas não feito a fênix! Ela renasceu pelas mãos daqueles que sempre mudaram o mundo e continuam com o poder de transformá-lo: os estudantes.

Aos heróis e às heroínas que resgataram nossa Biblioteca – Ramon, Pedro Henrique, Júlia Beatriz, Lorena, Ana Carla, Yasmim, Larry, Amanda e Maria Tereza –, dedico esta crônica escrita com a alma repleta de felicidade como uma forma de agradecimento pelo espetacular resgate que fizeram. Graças a vocês, a nossa velha Biblioteca voltou à vida, feliz, pois ela rejuvenesce a cada vez que um leitor entra lá e pega um livro; e a cada livro lido, uma escritora, um escritor, um poeta reforça sua imortalidade e se orgulha de poder colaborar com a formação leitora desses jovens. Já ouço os sussurros de alegria de vários imortais vindo das estantes, e me arrisco a dizer que ouvi cochichos desses escritores e escritoras falando de sua ansiedade para serem lidos por vocês.

Parabenizo-lhes, também, pelo protagonismo que estão incorporando. Afinal, pra que esperarmos por mudanças quando podemos ser a própria?

Como sempre falo pra vocês: “I love you too much!”

João Rodrigues

Imagem: arquivo pessoal do autor

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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