Carina Lessa

Fibra de Vidro ou O Massacre de Greenwood

“(…) eu o conheço há bastante tempo. Isso não é do feitio dele”. – Franklin.

“A gravidade é uma projeção gigante segurando o mundo para a gente não flutuar” – Daniel Demiris (meu filho)

Estamos a uma semana do “Memorial Day” nos Estados Unidos, acontece sempre na última segunda-feira de maio. Após a Guerra de Secessão, resultou como nervo latejante para nos lembrar de homens e mulheres que morreram em combate. A graciosidade vem pela respiração anual do início das férias de verão, nos campos cheios de flores revigorando os corpos livres e ensolarados. Particularmente, a fusão acontece entre piqueniques, pratos, lençóis e visitas aos cemitérios, porque antes da Guerra havia a confraternização.

Mas não é do “Memorial Day” que venho falar. A queda da estátua de vidro da Havan compartilha essa uma semana que antecede a coincidência do centenário do “Massacre de Greenwood”. Recebo daqui o poste que atravessa o peito “gentil”* da liberdade. Dia 31 de maio de 1921, numa das piores violências raciais dos EUA, quase 10.000 residentes negros foram detidos em Tulsan, mais de 800 pessoas estiveram internadas em hospitais entre muitos mortos. Tudo aconteceu depois de um jovem negro e sapateiro ter sido acusado injustamente de agredir uma operadora branca. Uma multidão de massa branca invadiu residências e espaços comerciais de negros na cidade. O “Verão Vermelho” avançava dois anos de profunda violência que parece nunca bastar. Ainda em junho daquele ano, grupos de brancos e negros devassavam as redondezas nos trilhos e nas divisórias entre os bairros.

Há relatos que ainda descrevem ataques pelo ar. Bombas incendiavam a cidade. Edifícios, casas e famílias inteiras confirmavam o solo (in)fértil da eterna solidão da (in)tolerância. No Sul do Brasil, a estátua foi tombada e denuncia a sombra reflexiva de um século – projeção passadista ou futurística?

Legalmente, o caso fora resolvido pelo chefe de polícia denunciado por negligenciar a segurança da cidade, fora removido do cargo, não tomou as devidas precauções. Fiquemos com as boas lembranças. O trágico, e pouco mencionado evento, resultou em grandes obras cinematográficas e pouco assistidas. Deixo uma dica de documentário para que sirva de reflexão no dia de hoje (ou daqui a uma semana): The Tulsa Lynching of 1921: A Hidden Story.

 

*Gentil – Segundo Michaelis:

gen·til

adj m+f

1 Detentor de título de nobreza.

2 De boas maneiras: “Aurélia concentra-se de todo dentro de si; ninguém ao ver essa gentil menina, na aparência tão calma e tranquila, acreditaria que nesse momento ela agita e resolve o problema de sua existência […]” (SEN).

Temos ainda, etimologicamente, o termo latino gentilis. Entre os romanos, acreditava-se carregar a mesma linhagem, uma ideia de identidade familiar e reflexão antiga pautada na concepção de aristocracia. Na Roma antiga, a gens atribuía origem, um de seus nomes. O interessante é pensar que, para os romanos, o movimento se dava justamente pela mistura de gens ao se atribuir a herança. Está lá também no movimento de relação entre os deuses.

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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