Carina Lessa

Testamento

 
Não tenho bota de sete
léguas. A velocidade
É lenta e perco a memória.
O doutor martela os nervos,
Nota a hiperreflexia.
A mãe me conta com foice
Sobre a perda de um comparsa.
Os remédios nos avisam:
Perigo na amamentação.
O bisturi psicológico
Resignou meu biógrafo.
Se eu morrer, ele será
um bêbado esquecido.
Lamento as biografias
De vivos, não as suporto.
O remédio aumenta o fluxo
Cerebral, ativa um novo
Ambiente com promessa
De cura. O tumor progride
Enraizando as perdas líquidas
Pela coluna vertebral.
Dizem que a morte não manda
Aviso, pede passagem.
Nego doses de morfina,
Sinto a incineração
No corpo vivo. Veleja
Tempestade impiedosa,
Alucina sortilégios
Que não são meus. Adoeço.
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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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