Lucas Salgueiro

As ruas têm cheiro

AS RUAS TÊM CHEIRO

As ruas têm um cheiro específico, forte, por vezes ácido. Com o dia corrido nem nos ligamos nisso, ainda mais quanto tu tá todo dia nela. Nesses casos, o cheiro da rua aparece pra gente como o cheiro da vida, do trabalho, do estresse. Mas o cheiro é mesmo da rua, que é diferente daquele que a gente sente quando chega em casa, principalmente na nossa casa. Claro, as ruas têm também cheiros diferentes, cada rua com o seu. João do Rio escreveu no começo do século passado que as ruas de todas as cidades teriam vida e destino, iguais ao homem; rua que tem alma, com vontade e personalidade: rua popular ou nobre, desejada ou marginalizada, acolhedora ou repulsiva. Mas o cheiro mais específico de rua que quero dizer é aquele de rua onde circula gente, que bate pé, que cai suor, lágrima, que transpira cansaço. Se rua é como homem, as ruas do povo, onde a vida cheira e acontece, teriam o perfume do corpo que trabalha, que rala mais do que deveria. Por isso, cheiro de rua nem sempre é bom. Cheiro de rua cansa até esgotar, faz virar o rosto depois de um dia inteiro. Desse jeito, desconfio de quem se diz da rua e não tem cheiro de rua, não suporta o perfume dos carros passando e da saliva dos ambulantes vendendo. As ruas têm cheiro, barulho, toque e até gosto. E gente pode ter cheiro de rua, gostando ou não.

 

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Link da foto: https://pixabay.com/photos/poverty-slum-poor-child-street-4242348/

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Lucas Salgueiro

Educador. Trabalhador da educação em salas, chãos e pesquisas. Escrevo crônicas que tentam captar a realidade da sociedade vista de baixo, do cotidiano banal.
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