Lucas Salgueiro

Uma vida não vale nada

UMA VIDA NÃO VALE NADA

Um corpo caído no meio da calçada. Ninguém em volta. Voltando pra casa depois do trampo, ônibus cheio, todos meio desligados e vivendo no automático, até que o busão passa por mais uma de suas ruas habituais. Lá tinha semáforo, carros, faixa de pedestres, só uma árvore, muito asfalto cinza, sol ainda batendo, calçada, um corpo caído no chão e outro sentado, ao lado desse. O ônibus para quando o semáforo fica vermelho, pouco atrás da faixa. O sol bate no asfalto, deixa fervendo, irritando a vista. Na calçada da direita, havia uma árvore. Na calçada da esquerda, um corpo estirado. Por cima dele, algo tipo uma manta térmica, prata, deixando apenas os pés para fora, com suas canelas empoeiradas e um tênis surrado. Parecia aquele papel laminado que coloca na comida para levar no forno. Mas era gente, de verdade. Do lado desse corpo, havia outro, sentado a pouco mais de um metro de distância do primeiro. Olhar vazio, mirava para a árvore do outro lado da rua sem vê-la, chorando, celular na mão. Ninguém em volta. Dentro do ônibus, estacionado ali por alguns segundos, alguns olhavam pelos vidros da janela. Ninguém desceu. Só olhavam mesmo, sem muita reação. A rapaziada as vezes vive tão no automático que demora a processar quando algo diferente tá rolando. Ainda mais quando é algo normal. A gente também se acostumou tanto a passar o dia rolando a tela do celular atrás de algo novo, que nem se surpreende mais com o real. A janela do ônibus parece tela. Nós andamos frios. Quem passou uns segundos olhando, não comentou. Fiquei um pouco puto percebendo a reação das pessoas. Depois, acabei ficando puto porque eu era igual a todo mundo. O ônibus partiu. Olhando pra trás, vejo que outros carros, motos e ônibus também passaram, sem parar. Partiu. Por um momento, pensei que ali na calçada poderia ter o amor da vida de alguém, um cara que outra pessoa estaria esperando em algum lugar. Mesmo se não fosse, na pior, ainda assim era uma vida. Fiquei reflexivo, mas não fiz nada. Eu também estava no automático. Mais tarde, ainda com isso na cabeça, fui ver na internet se tinha alguma notícia sobre um acidente ou morte naquela rua, neste dia. Não tinha nada. É óbvio que não tinha, para a maioria, uma vida não vale nada.

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Link da foto: https://pixabay.com/photos/sunset-city-buildings-skyscrapers-569093/

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Lucas Salgueiro

Educador. Trabalhador da educação em salas, chãos e pesquisas. Escrevo crônicas que tentam captar a realidade da sociedade vista de baixo, do cotidiano banal.
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