O BRANCO
Centro do Rio de Janeiro, sexta-feira à tarde, caminhei até o terminal rodoviário Menezes Côrtes. Estava abafado demais para um dia de inverno. Percebi que um ônibus prestes a sair com poucos passageiros, ele tem um itinerário mais longo e por esse motivo a maioria das pessoas evita. Não me importei; entrei porque era muito melhor estar sentada sob o ar condicionado, do que ficar em pé aguardando em uma fila enorme outra condução.
Já acomodada, abri minha bolsa para pegar o meu livro e constatei que havia esquecido meus óculos. Não poderia nem se quer usar o celular durante o trajeto até minha casa, a luz do aparelho faz minha vista lacrimejar, e são mais de sessenta minutos com o trânsito bom. Algo raríssimo num final de semana.
Confirmado: na Ponte Rio/ Niterói o tráfego de lentidão tornou-se parado. Sem leitura e sem usar o telefone, passei a contemplar o mar. É realmente maravilhoso! Minha apreciação foi interrompida com um grito com voz de choro de uma jovem senhora falando para um rapaz sentado do outro lado.
-Doutor, me ajuda! Ajude meu filho! Por favor! – implorou com um menino colo que tremia e de olhos revirados.
– Minha senhora, não sou médico! – respondeu o rapaz com um olhar apavorado.
– Negar socorro é crime, hein, “dotô”! – disse um outro homem em tom desafiador.
– Não sou médico, não! Nem sei o que o esse menino tem.
– Tu é dentista, então? Por que está todo de branco, aê?! – o mesmo homem questionou encarando o rapaz , ainda sentado.
– Não, meu amigo. Eu fiz o “bori”.
– Lá sei que merda é essa! Mermão! Sei que tem um garoto passando mal e tu não quer ajudar! – levantou -se e foi em direção ao homem de branco.
– Sou do candomblé, filho de Oxalá! Por isso visto branco! – o rapaz respondeu com um lindo orgulho na voz.
Ouvi alguém falar baixinho “ tá repreendido em nome de Jesus!”
O homem afastou-se rapidamente com os olhos arregalados. Uma idosa, no assento anterior, pegou um terço e iniciou a oração silenciosa. Olhei para o menino, continuava tremendo e uma espuma saía de sua boca. Peguei o celular para ligar para emergência. Entrou uma gravação. Comecei a ficar desesperada me sentindo impotente. O motorista assistia tudo pelo retrovisor. Olhei para frente e vi uma solução. Fui até ele e implorei:
– Senhor motorista, lá na frente há uma ambulância… – ele me interrompeu.
– Oh minha senhora, não tem como! Não tá vendo o engarrafamento?
-Abra a porta, por favor! – pedi impaciente, seria inútil argumentar
Assim que desci passou uma motociclista, falei com ela sobre a emergência. Ela disparou e voltou na contramão com um enfermeiro que prontamente prestou o devido socorro para o menino com ataque epilético. O profissional orientou a mãe e quase tudo ficou bem. O ônibus voltou a andar em silêncio, a senhora com o filho ficou na emergência, mas na condução os olhares ainda discutiam.
Ivone Rosa
Instagram:@profaivonerosa
ref. imagem:https:https://pixabay.com/pt/photos/fechar-se-olho-pestanas-%C3%ADris-aluno-1845247/
Oi, Ivone, que interessante essa associação do branco à profissão. Esperei algum desdobramento aos olhares que discutiam. 🙂
Beijo, menina
Ivone!
Dizer que você é uma escritora maravilhosa seria pouco. A sua sensibilidade ao escrever demonstra o ser incrível e especial que você é. Parabéns!!!