Carina Lessa

Nadando contra a corrente

 

A cidade canta. Um estranho talvez pudesse passar. Olho rapidamente esperando a entrada em cena do estranho que busco. Olho o mar. Cartas não compensam. Chegam em garrafas. As dosagens não chegam a meia taça. Desenvolvem o paladar, foram enviadas por um verdadeiro sommelier. Ele sabe montar a carta, não hesita em atualizá-la semanalmente. Instiga o paladar. Aconselha certos pratos como se adivinhasse o gosto pessoal.

De longe, acompanho a movimentação. Quero imaginar o processo de harmonização dos sabores antes mesmo de as garrafas serem abertas. Envia-me a carta e sabe da temperatura correta. Espero o prato do estranho que busco. O sommelier passeia os olhos ligeiros como se arquitetasse um banquete para dois.

O mar se enche de fúria.

A degustação ocasiona o torpor esperado.

O líquido desce em jorro instintivo nutrindo expectativas. A saliva percebe o prato, ele não chega. As cartas não compensam.

As dosagens não chegam a meia taça, e deixei escorrer o líquido. Há muito desperdício. Procuro o estranho, quero perguntá-lo sobre o prato principal, talvez ele saiba. Observo à distância. O sommelier não recomendou o prato?

A cidade canta.

Não são homens trabalhando.

Não são os navios no cais.

Não são os blocos de carnaval.

 

– Deem ao dia o que pertence ao dia! – Alguém grita.

 

A cidade canta. O sol se põe. Escuto o trovão. O vento espalha tantas cartas que se torna impossível visualizar a correnteza.

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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