Renato Amaral

Conto Viagem Perdida

Fonte da Imagem: Arquivo Pessoal.

Viagem perdida

 

— Mamãe, porque você está me vestindo assim?

— Nós vamos viajar filha!

— Pra onde, mãe?

— Pra bem longe.

— Vovó vai?

— Não! — a mãe respondeu rápido.

— E papai? — perguntou curiosamente a filha.

— Muito menos esse traste. — respondeu a mãe com raiva na voz.

— Eu vou sentir saudade da vovó e do papai. — disse a filha chorosa.

— Pra onde vamos não teremos tempo de sentir saudade de ninguém. Agora vamos parar de conversa e terminar de se arrumar.

Em silêncio se vestiram apressadas com as roupas mais bonitas que tinham. Aquela em que iam as festas e a igreja. A menina percebeu que sua mãe não arrumara às malas, e se lembrou que assim que seu pai saiu de casa pra morar com uma mulher que ele dizia que era sua tia, e sua mãe dizia que era uma sirigaita, havia levado todas as suas roupas dentro de uma mala. Mas ela viu que sua mãe estava tão nervosa que achou melhor não perguntar.

Saíram dos seus quartos na ponta dos pés e romperam rapidamente o portal de entrada da casa. Duda se assustou com os gritos de sua avó que vinham desesperados de dentro da casa chamando sua mãe pelo nome. Mesmo com os problemas que tinha nas pernas correu atrás da filha e da netinha em gritos de pavor. Sua mãe também corria e a arrastava junto. A menina ouviu um grito mais forte e ao virar para trás viu o corpo da Vó Mariquinha se estabacar no chão do terreno da casa e lá ficar em gemidos. Sua mãe não voltou os olhos para trás e correu ainda mais algum tempo até perceber que já havia se afastado o suficiente. O suor escorria pelo corpo de Duda junto com as lágrimas de pena da avó. Sua mãe estava muda e só rompia o silencia para dizer “Ande menina!”.

Até que avistaram a linha férrea que passava a alguns quilômetros de sua casa. Sua mãe vendo que a composição se aproximava agarrou novamente com força a mão da filha e em sobressaltos gritou:

— Corra senão iremos perder a viagem!

Arrastada pela mãe que ia bem mais rápido correu tanto que suas perninhas minúsculas queimavam sob o vestido que usava. À medida que o trem chegava percebeu que ele não parava mais de apitar e quase já bem perto ouviu um barulho como se fosse de ferro com ferro. Elas já estavam quase alcançando quando de repente sua mãe deu um salto em direção a linha do trem, mas sua mãozinha suada escorregou da mão de sua mãe e seu corpo pendeu para trás fazendo com que caísse com tudo na brita. Ralou-se toda com o impacto. Quando deu por si novamente viu que o trem parava lentamente. Não tardou e um homem de uniforme apareceu assustado e perguntou-lhe se estava bem?

Ainda sentada nas pedras respondeu com a cabeça negativamente e choramingando disse:

— A mamãe foi viajar sem mim!

 

Por Renatto D’Euthymio

Instagram: @renattodeuthymio

OBS: Conto Viagem Perdida premiado com Menção Honrosa e Publicação no VI Prêmio Literário CIDADE POESIA.

 

 

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Renatto D'Euthymio

Renatto D'Euthymio, carioca de Santa Tereza, dividindo residência entre São Gonçalo - RJ e a pacata e inspiradora, São José do Calçado no Estado do Espírito Santo. Estudante Rosacruz, técnico em Radiologia, flamenguista fanático e apaixonado pelas filhas Rannya e Rayanne. Cultiva desde criança uma paixão pelos livros e seus gênios. Autor do livro de poemas Solilóquio Antes e Depois da Forca (2020) e do livro de humor O Tabloide Jocoso (2021). Premiado em dezenas de concursos literários (Poesia, Crônica, Conto e Microconto), e publicado em Antologias e Coletâneas. É tão ligado à Literatura que de vez em quando não se contém e atreve-se a rabiscar algumas linhas.

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