Fabio Rodrigo

Pechinchar

Fazer compras não tem a menor graça se não… pechinchar. Segundo os especialistas, em tempos de crise, é preciso pechinchar. Para isso, devemos fazer uma pesquisa antes de comprar, pedir desconto e, mais do que nunca, demonstrar hesitação quanto à compra do produto… Acho que esta última foi fundamental para realizar minha compra no Mercado São José, em Recife. Pensei comigo: irão perceber que sou do Rio e vão jogar o preço lá em cima. Dito e feito.

Parei diante de uma loja de artigos de couro e não tinha pretensão de realizar nenhuma compra. Era aquela olhadela básica. De repente, abordei o vendedor:

— Qual é o preço da carteira?

— 50 reais.

— Todas essas aqui são este preço?

— Sim. Qualquer uma é cinquenta.

— Então não tem nenhuma mais barata?

— Tem essa aqui que é 35…

— Uhhhmmm… — Já estava percebendo o interesse do vendedor em não perder o cliente.

— Essa é de outro modelo… ela não tem esse compartimento aqui. (abrindo a carteira e me mostrando). Por isso é mais barata…

— E tem marrom também?

— Tem sim. Tem essa aqui. (apontando para uma do mostruário).

— Ok. Então a mais barata que você tem é 35 reais, né?

— Isso mesmo. É a mais barata que eu tenho.

— Tá. Eu vou dar uma voltinha por aí. Qualquer coisa eu retorno aqui. Ok?

Sem que eu menos esperasse, o vendedor rapidamente deu outra guinada na conversa para não perder a venda:

— Olha, eu tenho essa aqui que é vinte reais…

— Ah, sim… – Pensei comigo: Ué??? A mais barata não era 35???? Vi que já estava sendo vantajoso pra mim. Era pegar ou largar.

— Essa é de outro material… diferente daquelas que eu te mostrei… — Disse o vendedor tentando criar algum argumento para a diferença de preço. Sinceramente não vi diferença alguma quanto ao material. Parecia o mesmo tipo de couro.

— Entendi…  — Respondi em tom de “tô entendendo seu jogo, cara”.

— É muito boa também esta carteira…

Lembrei logo da minha que estava bem desgastada e que pedia uma nova. Para deleite do vendedor, respondi com firmeza:

— Vou levar então.

            Pois é… acabei levando a carteira por um preço que considero justo. Pechinchar é isso: sair satisfeito após fazer um negócio. Mas sem jogar sujo com vendedor, é claro. Diferente de barganhar, pechinchar deve ser feito de forma ética, sem prejudicar quem vende. Ambas remetem a levar vantagem em alguma negociação, portanto são sinônimas. Nem parece. Pra mim, pechinchar e barganhar estão em dois polos antagônicos. Enquanto a primeira representa a honestidade, a última representa o lado perverso da sociedade.

Pechinchar deveria estar no currículo escolar, inclusive. Com aula teórica e prática. Junto com educação financeira. Aquela matéria que todos concordam que era pra ter nas escolas, mas infelizmente não tem. Quem sabe aprendendo a pechinchar seja o começo para uma nova era, para uma nova geração de jovens éticos, solidários, justos, preocupados com o próximo e a favor de uma sociedade mais igualitária. Jovens estes, incorruptíveis, defensores do bem-estar social porque aprenderam na escola a… pechinchar.

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Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

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