Carina Lessa

Croniquinha clariceana

 

Nasci brasileira mineirando minha carioquice, de modo que não preciso justificar a meus alunos ou ouvintes meus rrrsss que me dão um ar de francesa ou ucraniana (apesar de também assinar C. L.). Gosto de falar assim, defeitos de fábrica me interessam. Acho que foi da tribo da minha avó que se convencionou me chamar de “bicho do mato” e de “manteiga derretida”, coisa de quem nasceu de mãe assustada, debaixo do pé de café, com o rio correndo afora. Minhas comidas ganharam o mundo, sei porque quando a outra avó (puxada na branquitude italiana) reúne a família não sobra grito sobre prato: todo mundo fala e fico calada. Madona mia!!! Sou provinciana e me pagam de cosmopolita, sou corajosa e me pegam de preguiçosa… Provavelmente, se tivesse nascido portuguesa, os bacuri estariam tudo piscando branquinho branquinho na aliteração, larapia, leitosa, lodosa, da lubrificação. Acho que não, isso só se tivesse tecido ainda no século XIX, saindo das fábricas, e batendo a panela. Fiz da língua minha sobrevivência matreira, suburbana da gema. Amarela só para envenenar o meu vício de bílis na corrente sanguínea dativa. E se a cigana tivesse acertado o meu caminho? Mas nunca tirei uma carta, preguiça das coisas inventadas. Será que tenho partido? Será que os amigos têm gênero? Estou caminhando a contragosto, mas petisco a academia todo dia. Os filhos? São gringos, sem dúvida! Green grow, porque a grama do meu jardim não é mais bonita. Por fim: “Graecum est; non potest legi”. E se eu soubesse o meu destino, vocês me diriam? É muita fofoca para pouco fiu-fiu ou farofada. É isso, morri no mistério, morri na gravata e mitei na rodagem dos esclarecimentos vazios de causa.

(Imagem disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/tecido-cambaya-pano-t%c3%aaxtil-43354/)

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Carina Lessa

É ficcionista, poeta, ensaísta e crítica literária. É graduada em Letras, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. Atua como professora de graduação e pós-graduação nos cursos de Letras e Pedagogia da Unesa. É membro da Associação de Linguística Aplicada do Brasil e da ABRALIC.

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