16 horas de escritaOswaldo Eurico Rodrigues

Projeto 16 horas de escrita – “Viajar é encontrar” – Oswaldo Eurico Rodrigues

Viajar é encontrar

Algo que muito me agrada: o novo! Gosto imenso de livro novo (e de livros velhos de sebo recém-chegados a minha mão, com status de novidade mesmo cheirando a naftalina). Contemplar o nascer do Sol para mim é incrivelmente belo assim como o começo do crepúsculo. Primeiro dia de aula, primeiro dia no emprego, primeira vez experimentando uma comida gostosa são todos esses primeiros os momentos mágicos do início. Há aquela primeira vez a nos deixar muito ansiosos e com medo de falhar. O primeiro toque é o momento que desafia a noção de tempo e é capaz de nos levar à outra dimensão. O prazer da experiência única a cada vez no mesmo ato é essencial e vivificante. Singular como é singular cada um de nós! Escrever como se fosse a primeira vez imaginando viver dentro e por fora duma língua a traduzir o sentimento e o pensamento obedecendo a regras desejosas por serem burladas, abusadas, mas respeitadas em sua essência. Essa sensação de começar a fazer as letras acontecerem é desafiadora, atrevida, ousada e temerosa. Tomar a escrita pela mão e projetá-la até o alto dos olhares, soprá-la como brisa, vento ou furação aos ouvidos pode trazer à boca o hálito invasor dos narizes e despertar no corpo inteiro sensações das palmas aos risos e aos prantos. Até mesmo as fugas. É sempre nova a reação de gente nova de todas as idades, de todos os tempos e lugares.

E foi do meu lugar de início de muitas coisas que descobri o tamanho do mundo. Do meu bairro, fui até o Saara no areal ao lado do brejo (que não era o Pantanal), subi cordilheiras cinquenta metros acima do nível do mar logo a minha frente. A costa não era do marfim, mas era rica, cheia de vida e de conchas com som das águas salgadas. Não esquiávamos na neve, descíamos os desfiladeiros de uma rua sem pavimentação em carrinhos de rolimã ou mesmo em placas de papelão. Quando chovia, tínhamos as cataratas! Não as do Iguaçu ou do Niagara, porém era uma vitória passar por elas sem cairmos ou nos machucarmos. Tínhamos os eucaliptos da Austrália num bosque encantado cheio de criaturas estranhas alimentadas pelas penas dos senhores Grimm, Andersen e Lobato. O mundo inteiro estava no Porto do Rosa, de onde via os navios na Guanabara. De vez em quando íamos para o Galo Branco, onde estava outro mundo inteiro sem mar, mas com pedras. Era a minha Grécia seca fora do Mediterrâneo. Lá ouvia vozes da Espanha e de Portugal no meio de Áfricas e Américas diante da casa minha avó. Fui crescendo e descobrindo várias terras distantes tão perto de mim e outras tão longe, tão iguais.

De novo a sensação da curiosidade e da novidade no sempre e no nunca vem me assaltar e nos sequestrar. É bom ser sequestrado! Mesmo fora de Estocolmo! Os sequestradores nos tiram do lugar comum e nos aprisionam nos salões da excelência, lugares labirínticos e com muitos espelhos. As imagens se multiplicam em fragmentos incontáveis e nos arrebatam. Saímos também aos cacos para nos reconstruir de novo no dia a dia de corre-corre e luta incessante contra gigantes invisíveis.

Vamos fugindo para não sermos pisoteados pelos pés imensos dos ciclopes e nem devorados pelos ogros. De vez em quando o porrete dum desses monstros nos derruba longe. Somos pequenos e nos escondemos das mãos imensas e esmagadoras de gente em miniatura. Muitos não conseguem abrigo e acabam sendo engolidos pelos glutões insaciáveis. A força dessas criaturas aumenta porque são alimentadas pelo medo dos devorados de agirem em conjunto com outros pequeninos, mantendo-se um pequeno único igual aos demais pequenos únicos. A necessidade de uma visão ciclópica coletiva acaba por enfraquecer aos pequeninos ou a transformar poucos deles em outros titãs obedientes aos gigantes primordiais. A sucessão dos brutos é mantida. Ainda bem que a brutalidade não consegue destruir a delicadeza e nem a inteligência, por elas não serem tangíveis. Quando as pisadas estrondosas e massacrantes das criaturas monumentais são ouvidas, muitos se preparam para o exílio. Outros acabam se movendo involuntariamente pela vibração provocada pelo peso colossal das criaturas em sua marcha por destruição e são convidados pelos viajantes a sair mundo a fora, longe dos pés e das mãos dessas criaturas imensas da destruição. Vão assim nos subterrâneos ou nos ares até onde seus desejos os levarem e ali ficam a construir novas aldeias e cidades até o dia em que os gigantes os descobrem novamente.

O cansaço, às vezes, gera a indignação e nos impulsiona ao combate. Os Davis se erguem contra os Golias! Esses últimos, em sua arrogância, desdenham dos pinguinhos de gente a sua frente, mas se esquecem de usar os capacetes e protegerem suas cabeças. A verdade é que, por não usarem muito essa parte do corpo, acabam se esquecendo dela. A chuva de pedras atinge em cheio suas frontes e eles tombam. Na queda acabam por causar abalos graves. Os pequeninos não podem se deixar abater. Abatem os guerreiros covardes arrancando deles o que não usavam: suas cabeças. A terra ainda sofrerá muito com o mau cheiro dos corpos apodrecendo. Os urubus darão conta de manter a terra sem vestígio de sujeira. E assim, as cidades e aldeias, têm seus Davis reinando com suas cortes de nobres em paz até o dia em que outra ameaça paire. Provavelmente, outras guerras acontecerão, todavia, serão cantadas ao som de lira em poemas para sempre. Levemos essas lembranças em nossas viagens e as transformemos em nossas epopeias particulares registradas nos nossos diários de bordo onde se encontram as histórias nossas de existir e resistir, de ver o invisível, de se encantar com o singelo e de se vestir de riqueza sem soberba.

 

 

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5 Comentários

  1. A novidade é capaz de gerar muitas expectativas ou até mesmo medo nas pessoas. Esse texto mostra um olhar sobre o novo muito interessante, que nós estamos nesse mundo para existir e resistir, como foi citado. Isso é como se existir já venha com essa responsabilidade e crédito de que o novo virá, sempre! E resistir é a maneira de como lidamos com o novo já não tão novo assim…Existir exige estar aberto para o novo. Amei o texto novo dessa semana!

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