Nosso Cordel

Nosso Cordel – “Adília e o Vagalume” – Massilon Silva

–Nosso Cordel: “Coluna destinada a publicação de cordéis de escritores acima de 18 anos. Basta enviar para: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com (por favor, colocar as devidas identificações)”.

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Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/luzes-vagalumes-brilho-vaga-lumes-5310589/

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ADÍLIA E O VAGALUME
Massilon Silva

Numa rua bem distante
De uma cidade qualquer
Onde andavam transeuntes
Homem menino e mulher
Em chão de terra batida
Exercendo seu mister

A vida corria mansa
A pressa não existia
Uma igreja e um coreto
Uma alameda vazia
Os carros não transitavam
Se por acaso chovia

Suas casas eram simples
E nem um pouco atraentes
Sobrados não existiam
Nem palacetes decentes
Só mesmo a calma deixava
Seus moradores contentes

Água encanada não tinha
E nem eletricidade
Só a lua lá de cima
Lhe emprestava claridade
As pessoas se moviam
Com certa dificuldade

Moradores reclamavam
Do dirigente local
Que prometia reformas
Mas que sempre no final
A promessa não cumpria
Deixando assim tudo igual

As crianças só brincavam
Enquanto brilhasse o sol
E todas se recolhiam
Quando vinha no arrebol
Somente uma ou outra noite
Tinha a lua por farol

E tudo se repetia
As noites eram iguais
Sempre escuras e maçantes
Desde tempos ancestrais
As árvores povoadas
Por estranhos animais

Os habitantes noturnos
Faziam seus recitais
Corujas e andorinhas
Vaga-lumes e pardais
Todas as aves da noite
E seres elementais

A rua como já dito
Era pouco frequentada
Não tinha nome famoso
Meio-fio sem calçada
Sem despertar atenção
De A-4 foi batizada

A casa número sete
Abrigava uma família
De apenas três pessoas
O pai a mãe uma filha
Esta princesa menina
Tinha o nome de Adília

Adorada pelos pais
Querida pelos vizinhos
Destacada na escola
Perante seus amiguinhos
Tinha cabelos castanhos
E dois brilhantes olhinhos

Mostrava-se sempre alegre
Cheia de vida e beleza
Tinha rosto delicado
De acentuada leveza
O sorriso revelava
Sua Cândida pureza

E quando a noite caía
Depois do parco jantar
Tomada de solidão
Sem ter mais com quem brincar
Debruçada na janela
Ficava a rua a olhar

Em frente à sua janela
Um centenário oitizeiro
Dava sombra pelo dia
E de noite sobranceiro
Em sua copa abrigava
Um vaga-lume faceiro

Não um mas uma família
Desses seres que nos campos
Habitam copas de árvores
Lumino9sos e brilhantes
Aos quais se costuma dar
O nome de pirilampos

São bioluminescentes
Procriam entre casais
Seletivos na dieta
Comendo só vegetais
Também por muitos chamados
Insetos ornamentais

Só os machos são alados
Pois as fêmeas não o são
Fazendo-se entre um e outro
A natural distinção
Usam emissão de luz
Para comunicação

Nossa formosa menina
Ficava a observar
Os vaga-lumes do oiti
Em bandos sempre a voar
E a luz que emitiam
Era uma festa no ar

Um deles se destacava
Porque era o mais brilhante
De piscar intermitente
Sempre alegre e saltitante
Formou-se então entre os dois
Uma amizade constante

Assim ocupava os dias
Nossa infante Cinderela
E para que toda noite
Lhe parecesse mais bela
Seu amiguinho fazia
A festa em sua janela

A amizade era bela
Entre aqueles dois viventes
No verdejar da idade
Em tudo coincidentes
Formaram dupla perfeita
De amigos e confidentes

Porém a roda do tempo
Essa que nunca parou
Numa fração de segundo
Seu trabalho executou
Daquele dia em diante
Todo cenário mudou

Foi quando máquina enorme
Na ruazinha adentrou
Fazendo terraplanagem
A área toda limpou
E as árvores tão frondosas
Uma a uma derrubou

Era o asfalto chegando
Saneamento também
Calçadas e meio-fio
Da maneira que convém
Moradores satisfeitos
Sem reclamos de ninguém

Uma família porém
Estava sob ameaça
Aquela enorme mudança
Que se instalava na praça
Sua casa o oitizeiro
Transformaria em fumaça

Adília então num rompante
De extrema inteligência
Para não ver seu amigo
Ser entregue à indigência
Pediu que os trabalhadores
Lhe ouvissem com paciência

Disse Adília meus senhores
Tenho algo a informar
Essa centenária árvore
Que se pretende arrancar
É uma farmácia viva
Das pessoas do lugar

Essas folhas que estão vendo
São todas medicinais
Curam desde febre alta
Até cálculos renais
Para curar tosse braba
Só elas e nada mais

Além disso ela se encontra
Em um local recuado
Não danifica a calçada
O asfalto está preservado
E o trabalho dos senhores
Não será prejudicado

Diante dos argumentos
Trazidos à discussão
Preservou o oitizeiro
Encontrando a solução
E a casa do vaga-lume
Poupou da destruição

O formoso vaga-lume
Agradeceu a seguir
Por ele e sua família
Não precisarem partir
E prometeu o favor
Um dia restituir

A relação da menina
Com aquele inseto amigo
Continuou intocável
Afastada do perigo
Até que nova ameaça
Se aproximou do abrigo

Continuavam fazendo
Sempre novas melhorias
Mais progresso para a rua
A população pedia
E agora a luz elétrica
Às suas portas batia

Foram fincados nos postes
Esticada a fiação
As lâmpadas colocadas
Tudo com muita atenção
O povo todo aplaudindo
Aquela revolução

A antiga Rua A-4
Foi logo rebatizada
Com nome de Deputado
Medida bem acatada
Para o passeios noturno
Alameda iluminada

Uma coisa no entanto
Adília não entendia
Era porque seu amigo
Já não mais aparecia
Nem a luminosidade
Do vaga-lume ela via

Perguntava toda noite
O que havia acontecido
Não encontrava resposta
Nada era percebido
Chegando até perguntar-se
Se teria ele morrido

Ela porém não sabia
Que a luz artificial
Ofuscava e escondia
Qualquer brilho natural
De resto seu amiguinho
Levava vida normal

E foi-se o tempo passando
Novos costumes brotaram
Lâmpadas incandescentes
As casas iluminaram
Adília e o vaga-lume
Nunca mais se encontraram

Certa noite aconteceu
O que ela tanto esperava
Uma festa em seu louvor
Então se realizava
Era seu aniversário
Doze anos completava

Parentes e aderentes
Vizinhos e convidados
Amigos de toda parte
Elegantes alinhados
Com votos de parabéns
Todos lhe cumprimentavam

Toda faceira e garbosa
Em seu vestido de renda
Feito para a ocasião
Sob rígida encomenda
Cada costura uma arte
Cada botão uma prenda

Enfim foi chegada a hora
De ver o bolo cortado
Para cantar parabéns
Cada um mais perfilado
Naquele exato momento
Irrompe o inesperado

Todas as luzes se apagam
Fica escuro como breu
A notícia se espalhando
Um acidente ocorreu
Na central fornecedora
A luz desapareceu

No corre-corre geral
Já ninguém mais se entendia
Um blecaute como aquele
Há muito que não se via
Criança gritava aos prantos
Quando da mãe se perdia

Quando ninguém esperava
O milagre aconteceu
Pontos e pontos de luz
Um a um apareceu
Dentro de poucos minutos
Toda a casa se acendeu

Ninguém entendia nada
Era um mistério tremendo
Enquanto se perguntavam
Sobre o que estavam vivendo
Só a menina sabia
O que estava acontecendo

Reconheceu o amigo
Que liderava centenas
De vaga-lumes piscando
Luzes grandes e pequenas
Espalhadas pela casa
Num quadro de muitas cenas

Adília então perguntou-lhe
Com o coração em brasa
E o bondoso vaga-lume
Respondeu batendo asa
Só estou retribuindo
O que fez por minha casa

De tão alegre que estava
A menina não notou
Que naquele corre-corre
Seu amiguinho tombou
Vencido pelo progresso
Um caro o atropelou

Agora Adília avistava
Piscando incessantemente
Num ponto fixo do céu
Um astro resplandecente
Que às vezes vinha até ela
Como uma estrela cadente

Cumpriu seu tempo na terra
Sem ter um nome sequer
Depois de virar estrela
Não era mais um qualquer
Foi batizada AD12
Pelas mãos de uma mulher.

F I M

Massilon Silva
Aracaju – Sergipe
E-MAIL: massilonsilva00@gmail.com

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Redação

A Revista "Entre Poetas & Poesias" surgiu para divulgar a arte e a cultura em São Gonçalo e Região. Um projeto criado e coordenado pelo professor Renato Cardoso, que junto a 26 colunistas, irá proporcionar um espaço agradável de pura arte. Contatos WhatsApp: (21) 994736353 Facebook: facebook.com/revistaentrepoetasepoesias Email: revistaentrepoetasepoesias@gmail.com.br

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