João Rodrigues

Uma revelação chamada Ezequiel

Em 1992, fui mais uma das vítimas do êxodo rural nordestino. Deixei o meu Norte e sem norte parti em busca dos sonhos. O destino: Rio de Janeiro. Mais precisamente São Gonçalo, cidade na qual vivi apenas dois anos em dois bairros diferentes, mas próximos: Barro Vermelho e Santa Catarina. Depois, me mudei para o Rio mesmo, onde morei por mais dezoito anos.

Trabalhei em restaurantes, hotéis e, após fazer minha graduação em Letras, fui trabalhar na Ediouro Publicações, na área editorial, e acabei me tornando revisor de textos. Parte de meus sonhos se realizaria. Mas como sempre disse o meu pai: “O bom filho à casa retorna”. E por mais que eu gostasse da Cidade Maravilhosa, a qual ainda amo, retornei a Reriutaba, no Ceará, minha terra Natal. E acabei indo trabalhar na Educação. E é nas escolas onde os talentos estão escondidos, prontos para serem descobertos; muitos deles ainda pedras brutas, à espera de serem lapidadas.

Foi numa dessas escolas que conheci Ezequiel. Do mesmo interior que o meu: Riacho das Flores. Sempre sorridente, amigável, logo percebi que era uma dessas pedras preciosas que, se caíssem na mão de um bom artesão, teria um valor inestimável. Tinha diversos dons artísticos. Gostava de poesia, de música e de artes cênicas. Logo me identifiquei com ele, pois adoro artes, inclusive poesia, música e teatro.

Havia uma Biblioteca Comunitária onde fazíamos saraus em parceria com a escola na qual ele estudava. Foi aí que Ezequiel floresceu. Jamais me esquecerei de Chico, o cabra mais medroso do sertão, porém o mais apaixonado; Salomé que o diga. Além de medroso e apaixonado, era um azalado (que quer dizer “sem sorte”, em cearencês), pois foi se apaixonar logo pela filha do coronel mais brabo do Nordeste. Bom, mas isso é outra história!

Aos poucos, o talento de Ezequiel florescia mais e mais. Dos palcos, saltou para a literatura de cordel, e foi aí onde ele se encontrou verdadeiramente. Tive o prazer inenarrável de ver um poeta dar seus primeiros passos, com seus versinhos de pé-quebrado, juntando uma rima daqui e dali, engatinhando ainda, mas levava jeito. Logo percebi que tinha jeito.

No entanto, quando o Poetinha começou a descobrir a poesia, o destino o carregou para a mesma terra para a qual havia me levado vinte anos atrás: São Gonçalo, Rio de Janeiro. Confesso que lamentei bastante esta perda inesperada. Logo agora, que tudo estava dando tão certo! Logo após tantos momentos bons! O menino ainda não estava pronto!…

Mas o destino, ah, este sim, tem estradas desconhecidas aos olhos dos homens, cheias de curvas sinuosas e retas desafiadoras, onde quase sempre nos reserva grandes surpresas. Ele nos lança nela para que aprendamos a caminhar sozinhos, seguir nossos rumos, dizem. Porém, nunca estaremos completamente sozinhos; não por muito tempo. Pessoas e realizações estão sempre à nossa espera, para nos transformar e nos fazer crescer, nos moldar para o mundo. A não ser que não sonhemos, que não busquemos nada, que não queiramos nada.

Mas Ezequiel não era um destes. Ele sempre quis. Do Riacho, o destino o jogou no Rio – algo muito maior. E lá estavam esperando por ele, inconscientemente, ninguém mais ninguém menos que os poetas-escritores Zé Salvador, Renato Cardoso, Erick Bernardes e seus professores do CIEP 306. Para quem acredita, são coisas do destino! Tenho minhas convicções, que não cabem aqui neste momento, mas também acredito que Ezequiel nasceu predestinado a poeta. Como disse certa vez o Mestre Gonçalo Ferreira: “Nasci poeta, mas só com o tempo adequado desabrochei”. Assim foi com o Poetinha do Riacho, que ganhou o mundo, arribou no rumo da venta, pegou o beco, capou o gato, e como num tem nada de abestado, se alui todo dia, mas sem aperreio, porque sabe que a quem Deus promete, num falta.

É um cabôco que não é de arenga, mas também num é um arigó. Sabe o que quer. Sabe arrudiar, quando é preciso, mas vai atrás de seus sonhos nem que seja na baixa da égua e bota pra moer! E como sei que ele já desarnou, num me aperreio mais com ele. Pois a cada texto ou poema que leio deste poetinha, acho que está só o mi, só o filé. É um cabra que tá se apulumando cada vez mais, orgulhando a terrinha. Principalmente a mim, que fico só achando graça com cada conquista dele. Pois o cabra desarnou mesmo!

E se você chegou até aqui lendo este texto, deve estar se perguntando: “Diabéisso? Esta prosa mudou de linguajar e já tô mais perdido do que cego em tiroteio”.

Pois é, no Ceará é assim!

 

João Rodrigues

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João Rodrigues

Nascido em Riacho das Flores, Reriutaba-Ceará, João Rodrigues é graduado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá – RJ, professor, revisor, cordelista, poeta e membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes e da Academia Virtual de Letras António Aleixo. Escreve cordéis sobre super-heróis para o Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos (NuPeQ) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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