Fabio Rodrigo

A cidade de Jerônimo da Silva

Era uma cidade de pouco mais de cinco mil habitantes, situada no interior de Minas Gerais. Os moradores de lá se vangloriam de viver na cidade em que um ilustre lavrador, nos idos de 1950, assumiu a prefeitura. Na única praça de lá, há uma estátua em sua homenagem. Se fosse vivo, estaria com aproximadamente 100 anos. Ao perguntar a qualquer morador, a resposta é a mesma: se Jerônimo fosse prefeito, não seria esta pouca vergonha que é hoje. O nome da cidade pouco importa. Aliás, poucos sabem. Somente a conhecem por sua perífrase: a Cidade de Jerônimo da Silva.

A cidade apresenta índices bem abaixo do esperado. É um dos piores IDHs do Brasil. Não há o que comemorar: saúde pública bem precária, as escolas sucateadas, mais da metade da população analfabeta. O atual prefeito prometeu durante a campanha fazer um governo igual ao de Jerônimo da Silva. Aliás, os outros também prometeram. Se não enaltecer o grande Jerônimo, não tem como ganhar eleição.  Pra ter respeito na cidade, tem que ser defensor ferrenho de Jerônimo da Silva. Em todas as escolas, hospitais, há a imagem de Jerônimo da Silva na parede. Até em estabelecimentos comerciais há a imagem dele. Sempre no dia 13 de janeiro, dia do seu falecimento, é realizada na igreja matriz uma missa de ação de graças a Jerônimo da Silva.

Qualquer tentativa de destruir o carisma e o respeito de Jerônimo é tratado como blasfêmia. Certa vez, sua estátua apareceu pichada, o que provocou a revolta de toda a população. “Quem fez isso com Jerônimo não é morador daqui”, disse raivosa uma moradora.  “É uma safadeza o que fizeram com nosso Jerônimo”, disse outro morador. 

A admiração por Jerônimo da Silva não tem idade. Até as crianças são educadas na escola a ter respeito pelo ex-prefeito. O uniforme escolar tem a imagem de Jerônimo estampada no peito. No feriado da cidade, dia do nascimento do Jerônimo, estão todas elas lá no desfile que atravessa a principal avenida da cidade: a Avenida prefeito Jerônimo da Silva.

O neto de Jerônimo da Silva, o Jerominho, diz que seu avô é sem dúvida o maior representante desta cidade. Será sempre lembrado como o ilustre lavrador que virou prefeito. E estará sempre guardado na memória de cada morador. “A história de nossa cidade se confunde com a história de meu avô” ‒ diz ele emocionado.

Numa das andanças pela cidade, um forasteiro atrevido perguntou a um comerciante bem famoso:

‒ Eu sei que Jerônimo representa muito pra vocês. Mas afinal o que ele fez de tão importante pra esta cidade?

Sem titubear, o comerciante mandou a real:

‒ O que ele fez? Sei te dizer não. Só sei te dizer é que ele foi bom demais da conta.

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Fabio Rodrigo

Fábio Rodrigo é professor de Língua Portuguesa da secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro e é doutorando em Língua Portuguesa pela UFRJ. Recentemente adquiriu o título de mestre em Estudos Linguísticos pela UERJ/FFP. Tem se dedicado a escrever crônicas que abordam temas do cotidiano e sua relação com a língua portuguesa e que são publicadas semanalmente no jornal Daki e no portal Entre Poetas e Poesias. Seu primeiro livro, Mixórdia e outras histórias, lançado pela editora Apologia Brasil, é uma coletânea de crônicas publicadas tanto no Daki quanto no portal. Suas crônicas, em sua maioria, são ambientadas no município de São Gonçalo, cidade em que o escritor nasceu e em que trabalha como professor. Como professor de Língua Portuguesa, Fábio Rodrigo procura aproximar o conteúdo das aulas de Português ao dia a dia, e seus textos são o resultado disso.

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