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Suplemento Araçá – Vol.02 – nº03 – Set./2022 – Crônicas & Opiniões – “Uma pausa para pensar em algumas das reflexões sobre a guerra” – Lucas Salgueiro Lopes

ISSN: 2764.3751

Uma pausa para pensar em algumas das reflexões sobre a guerra
Lucas Salgueiro Lopes

            Este texto foi escrito em março de 2022 e não é sobre nenhuma guerra específica. Claro, provavelmente você vai pensar em uma guerra – aquela que está em evidência nos noticiários atuais –, mas não, esta crônica não tem como objetivo oferecer nada de novo sobre ela. Na verdade, a intenção principal – como dito no título – é simplesmente pensar sobre as reflexões acerca da guerra (aí sim, principalmente visando aquela das notícias do dia). Dessa forma, a ideia aqui não é confrontar diretamente o tema guerra, mas lançar três reflexões “laterais” sobre ela.

O primeiro ponto é justamente sobre as opiniões: 1) Estamos numa época que (infelizmente) as pessoas, mesmo não sabendo praticamente nada sobre um assunto, se veem “obrigadas” a opinar sobre esse. Provavelmente alguns acontecimentos explicariam isso ao menos parcialmente. Com um maior acesso à informação (informação, não conhecimento), mais gente se vê capacitada para participar de debates profundos e complexos. Consequentemente, com o avanço das redes sociais, onde cada pessoa pode vir a se tornar um produtor de conteúdo (e influencer em potencial) as pessoas se sentem encorajadas para se posicionar constantemente. Outras razões podem ser encontradas ainda na espetacularização da sociedade, na polarização das relações políticas ou mesmo na rentabilidade das famosas fake news (mas paramos por aqui pra não perder o foco).

O que isso resulta na prática é um enxame de informações desencontradas que, ao invés de nos informar, nos faz cada vez mais confusos num mundo que já anda difícil por si. Isso gera um fenômeno próximo ao descrito por Byung-Chul Han em “Sociedade da Transparência”. Numa realidade onde você recebe notícias (no seu whatsapp, nas suas redes sociais, do seu tio Rubens, do seu João da padaria, no telejornal das 20h…) em tempo real sobre uma guerra acontecendo naquele instante do outro lado do mundo é improvável que você consiga se tornar realmente um maior conhecedor sobre o assunto – mas provavelmente isso pode te encorajar a produzir e circular novos palpites sobre a invasão do país x pelo país y. É uma sociedade transparente onde seguimos sem conseguir enxergar de maneira satisfatória.

Uma segunda ideia é que (2) numa época de relações tão polarizadas é quase inevitável que todo conflito se torne uma espécie de “nós” contra “eles” – ainda que a guerra em questão não possua nenhuma relação lógica com o que entendemos como “nós” ou que englobe quem conheçamos como “eles” –; e isso não é bom. Pode parecer inocente ou até instintivo levarmos para nossa vida cotidiana uma espécie de “torcida” para um dos lados envolvidos num conflito, de forma até mesmo a satisfazer um pouco de nossa “pulsão de morte” (do entendimento freudiano), mas não, isso não é positivo.

Inevitavelmente essa lógica vai penetrar também em nosso tecido social e afetar nossas relações pessoais e políticas, levando-as possivelmente para posicionamentos bastante preocupantes. Basta ver o que tão bem desenvolveu Jason Stanley em seu importante “Como funciona o fascismo”, mostrando como essa doutrina, em suas diferentes expressões históricas, se alimenta da lógica, justamente, do “nós contra eles”. E fato é, vítimas são sempre os milhões de inocentes e civis que possuem suas vidas (direta ou indiretamente) afetadas por um conflito bélico, sobrando muito poucas possibilidades de heroísmo ou mérito para aqueles senhores da guerra que incentivam o prolongamento dos embates. “Torcer” para um dos lados num conflito onde se matam inúmeras pessoas diariamente é, no fim, torcer para a guerra, para a subtração de um lado pelo outro. No mais, provavelmente essa “torcida” é fruto apenas de propagandas de guerra de um dos lados envolvidos ou do consumo de narrativas tendenciosas do conflito (ou apenas mau-caratismo mesmo, o que é sempre uma possibilidade). Enfim, quem está numa guerra de verdade dificilmente vai querer permanecer.

O terceiro e último pensamento deste texto é em relação a um dos perigos da marginalização e da política de extermínio de um dos grupos envolvidos numa dada guerra. (3) A condenação (e as subsequentes violências resultantes dessa) de um determinado povo em situações conflituosas tende a gerar um sentimento coletivo de ressentimento que provavelmente fará o “ciclo das guerras” se manter vivo por ainda mais tempo. Nesse sentido, provavelmente “O Ressentimento na História” de Marc Ferro é onde melhor se pode confirmar tal ideia. Como o historiador destaca na obra: “Na origem do ressentimento, tanto no indivíduo como no grupo social, encontramos sempre uma ferida, uma violência sofrida, uma afronta, um trauma. Aquele que se sente vítima não pode reagir, por impotência. Rumina sua vingança, que não pode executar e o atormenta sem trégua, até explodir”.

Exemplos disso – como o próprio Ferro demonstra no seu citado livro – existem aos montes na história. Talvez o mais famoso (e mesmo óbvio) seja o caso do ressentimento alemão após a derrota na Primeira Guerra Mundial (consolidada com o Tratado de Versalhes e suas altas doses de revanchismo e condenações quase unilaterais) e suas implicações na ascensão nazista subsequente. O ponto central é que, para além do sofrimento imediato de diversas pessoas que nada teriam a ver diretamente com o conflito, uma política de marginalização de um determinado povo, de sua cultura, de sua dignidade, tem tudo pra se tornar um inevitável ato de vingança futuro.

Por fim, cabe dizer que a intenção dessa breve crônica é compartilhar certas posições (pessoais) que sirvam de contraponto a reflexões comuns em tempos de guerra. A partir de cada uma das visões apresentadas, essas posições seriam, respectivamente: 1) a defesa de uma disseminação de notícias de maneira responsável e criteriosa sobre determinado conflito; 2) o fim de uma lógica polarizada que pregue um “nós” contra “eles”, sobretudo, em situações extremas; 3) a repulsa das condenações e violações direcionada apenas à um determinado povo. Talvez este texto fosse mais polêmico se ele falasse de uma determinada guerra, mas, acredite, esse não é o caso. Afinal, sabemos que o mundo está quase numa situação permanente de guerra – especialmente nos locais mais invisibilizados – e que, no fundo, como diz a canção, são os senhores da guerra que não gostam das crianças.

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Indicações & Referências:

Byung-Chul Han – “Sociedade da Transparência” (livro).

Jason Stanley – “Como funciona o fascismo” (livro).

Legião Urbana – “A canção do senhor da guerra” (música).

Marc Ferro – “O Ressentimento na História” (livro).

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