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Série: Quarenta, é sério? – Cap.#02 – Crônica: “Os três círculos” – Renato Cardoso

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Série: Quarenta, é sério? – Cap.#02 – Crônica: “Os três círculos” – Renato Cardoso

O medo era gigantesco. A ansiedade bateu forte, não sabia o que me esperava. O medo chegava toda vez que anoitecia. Saber que eu ia ficar sozinho, era o que mais me preocupava. A Covid foi algo que marcou seriamente minha cabeça.

Fui a um médico, que por medo de me atender, me receitou remédios que estavam me dando reações intensas. Não sabia o que tomar, como me medicar. Sentia o coração bater forte. Apegava-me a minha crença, parecia que era tudo que tinha.

Já estava na terceira noite da doença, a tosse era intensa. Dormia não mais que duas ou três horas, o cansaço agravava o quadro. Nessa noite, algo estranho aconteceu. Consegui dormir, mas acordei no meio da noite com muito frio, sem ar e tremendo. Medi minha saturação e estava 87 (limite mínimo é 95). A cabeça travou.

O desespero bateu forte, não tinha com quem falar. Era madrugada, estava sozinho em casa. Tinha que proteger a esposa e as filhas, mandei-as para casa da minha sogra. Sentei na cama e chorei muito. No alto do desespero resolvi rezar.

Tomei um comprimido de Rivotril e apaguei. Assim como no capítulo anterior, sonhei. Um sonho rápido e muito simbólico. Estava deitado numa maca, sendo carregado para dentro de um local bem claro e no teto observava três círculos, alguém chegava perto do meu ouvido e falava: “Calma, vai ficar tudo bem!”.

Acordei, fiquei com este sonho na cabeça. O dia estava amanhecendo e o corpo já não estava mais respondendo. Era domingo, buscava ficar o mais quieto possível, mas não tinha informação alguma do que fazer. Media minha temperatura, aferia minha pressão e via minha saturação constantemente.

Buscava me distrair, na época estava passando o Big Brother Brasil, tentava assistir, mas não dava. Mais uma noite passou e tudo aconteceu de novo. Não dormi, tomava remédio e logo em seguida vomitava tudo. Eu estava exalado os medicamentos (o que era estranho).

A manhã de segunda chegou. Liguei para meus pais pedindo socorro. Estava desesperado. Meu pai conseguiu o número da SAMU. Liguei, falei com a médica, mas eu não fui considerado caso para internação.

O resultado da tomografia, que havia feito no sábado, saiu no início da tarde. Eu estava com mais de 50% dos pulmões comprometidos. Precisava sair de casa urgentemente. Mandei uma mensagem para um amigo, que tinha uma prima médica. Ele me mandou procura-la em uma UPA local.

Fui sozinho, peguei um Uber (abri bem as janelas, usei duas máscaras para proteger o motorista). Cheguei na Unidade de Pronto Atendimento, não conseguia falar, tossia o tempo todo. O rapaz que me atendeu, me mandou entrar rápido.

Estava sem ar (algo que não valorizamos quando temos). A minha vez chegou, a médica (não era quem fui procurar, a prima do meu amigo não se encontrava na unidade, não era dia de atendimento dela) me chamou, mas não me atendeu como deveria (mal olhou pra mim). Receitou alguns medicamentos no soro. Esqueceu o principal, o ar.

Sai do consultório, e Deus me amparou (como sempre). Uma enfermeira que observou a consulta e vendo meu estado, me levou para a enfermaria do local. Deitei em uma das camas, colocaram os aparelhos. Pressão altíssima, saturação baixa, só pensava na minha família.

Implorei para as enfermeiras me deixarem ali, pedi que me internassem. Chorava copiosamente. Mostrava a foto das minhas meninas e falava que se fosse para casa não as veria crescer. As profissionais viram os resultados dos exames e constataram que não tinham como me mandar para casa de volta. Elas me internaram.

Eu tive alguns minutos para mandar mensagens para algumas pessoas. A sensação era que estava me despedindo. Segurei a onda. Procurei não chorar. A primeira a ser avisada foi minha esposa. Pedi que se mantivesse a calma, devido as meninas, e que viesse pegar minhas coisas na UPA.

Em seguida, avisei meu pai, meus irmãos, meus amigos e os donos das escolas onde trabalhava. A todos pedia que não desamparassem minha esposa e filhas. Tive que desligar meu telefone e colocar todas as minhas coisas numa bolsa, que seria entregue a minha esposa.

Perdi a noção da hora. Muitas coisas passavam na minha cabeça. Minha esposa chegou ao hospital para pegar minhas coisas e assinar minha internação, pude vê-la pela janelinha. Acenei e desabei. A enfermeira dizia para me acalmar e que seria transferido para um hospital.

A madrugada chegou e o SAMU veio para me levar. O sentimento de impotência era terrível. Deitei na maca, colocaram oxigênio e me levaram. O hospital era próximo. Não demorei mais que 10 minutos para chegar.

Ao sair da ambulância, a assistente social do hospital me recebeu, procurando me acalmar. Deram a ordem para me colocarem no Bloco B e assim foi feito… Não sabia onde estava, mas começava a ficar confiante da recuperação.

Sentia que subia uma rampa até chegar num antigo centro cirúrgico. O detalhe mais importante aconteceria agora. O ambiente estava escuro, pois não tinha ninguém na enfermaria adaptada. Acenderam as luzes. A primeira coisa que pude observar, quando olhei para cima, foram os três círculos no teto.

Os três círculos eram as luminárias do centro cirúrgico, que foram colocadas bem próximas ao teto. Senti uma paz imensa no peito, embora o corpo mostrasse outro quadro. Flashes do sonho vinham a minha mente. Dei um leve sorriso coberto pela máscara.

Tive a certeza de chegar ao lugar certo da minha recuperação. Senti alguém se aproximar antes de me tirarem da maca. A enfermeira, de nome Ana, chegou perto de mim e disse: “Calma, vai ficar tudo bem! Meu nome é Ana. Em breve você vai para casa”.

O sonho se concretizou. Agradeci a Deus por tudo. Deitei na cama e fiquei quieto, esperando o dia raiar… Estava pronto para me recuperar.

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Renato Cardoso

Renato Cardoso é casado com Daniele Dantas Cardoso. Pai de duas lindas meninas, Helena Dantas Cardoso e Ana Dantas Cardoso. Começou a escrever em 2004, quando mostrou seus textos no antigo Orkut. Em 2008, lançou o primeiro volume de “Devaneios d’um Poeta” e em 2022, o volume II com o subtítulo "O Rosto do Poeta". Graduado em Letras pela UERJ FFP e graduando em História pela Uninter. Atua como professor desde 2006 na rede privada. Leciona Língua Inglesa, Literatura, Produção Textual e História em diversas escolas particulares e em diversos segmentos no município de São Gonçalo. Coordenou, de 2009 a 2019, o projeto cultural Diário da Poesia, no qual também foi idealizador. Editorou o Jornal Diário da Poesia de 2015 a 2019 e o Portal Diário da Poesia em 2019. É autor e editor de diversos livros de poesias e crônicas, tendo participado de diversas antologias. Apresenta saraus itinerantes em escolas das redes pública e privada, assim como em universidades e centros culturais. Produziu e apresentou o programa “Arte, Cultura & Outras Coisas” na Rádio Aliança 98,7FM entre 2018 e 2020. Hoje editora a Revista Entre Poetas & Poesias e o Suplemento Araçá.

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