Valdeci Santana

Na quebrada

Na quebrada.

Na quebrada o dia nasce antes do sol acordar,

Arrancando dos braços das noites mal dormidas,

Pedaços de vidas, de que tentava sonhar

Numa cama repleta de calombos.

Estendia nos escombros,

Às margens da cidade.

Espectros vulneráveis

Agarram-se cabo da fé.

Seres invisíveis

Mais um cidadão qualquer.

Nas vielas da quebrada,

Quem transita são as duras estatísticas ignoradas no congresso.

Obstáculos do progresso.

Retrocesso urbano aos olhos da elite.

Todo são números. Ninguém tem nome.

A barriga cheia de fome,

Apontando os ossos da miséria nas crianças e cães,

Que disputam a dignidade na vala onde escorre seu futuro.

Em cima do muro.

À espreita. Sentinela do vapor.

Maria fumaça na sarjeta. A soma do terror.

Vê gente apressada,

Caminhando com medo de morrer assaltando ou sendo assaltada.

Quebrada é bela aos olhos de turista.

E escritor de novela,

Que vê na favela

A romantização do crime.

Favela é filho que ninguém a assume.

Convencem a pobreza ao contentamento

E retorna para seus luxuosos apartamentos

Cercados de hipocrisia.

Na quebrada o som que se ouve é o das orações,

Os anseios de sair dali.

Tem mãe aflita, chorando na cozinha,

Embalando sozinha,

O jumbo da próxima visita.

O peito carregado de esperança,

De rever sua eterna sua criança.

Aflita, ela dobra os joelhos no chão

E reza, para que o juiz aceite a apelação.

Tem socialite na televisão

Criticando a falta de proteção

Enquanto no sigilo da madrugada,

Seus filhos estacionam seus carros importados

Nas sarjetas sujas da quebrada

Disfarçadamente, em surdina,

Procurando cocaína.

Nariz de aspirador.

Financiadores diretos do terror.

A quebrada se divide em dois grupos:

Os resignados, fadados à miséria plena

E os inconformados agarrados à esperança pequena

De um dia prosperar.

A quebrada tem suas próprias leis.

Do ouvir sem falar, do ver ser olhar.

Do cárcere em seu próprio lar.

Arrastado para o tribunal,

Mais um imoral

Sujeito de conduta falha.

Verdadeiro canalha.

Sentenciado a punição da lei local

Aos olhos da população.

A quebrada esta cheia de artista

Cuja arte que ninguém vê

É a difícil arte de sobreviver.

Fonte da imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/casas-residencias-estruturas-lado-da-montanha-9895989/

 

 

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Valdeci Santana

Escritor. Autor de 4 romances: "As palavras e o homem de bigode quadrado", "A prima Rosa", "Dia vermelho" e "O rei da Grécia" Palestrante, contista e apresentador no programa #Cultura Tv Batatais

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